Sinceramente


_ Então tá, disse Rosa enquanto brincava com o dedo na borda da taça de vinho branco sobre a mesa. _ Vou ser sincera! Não quero saber de sinceridade. Quero mais é ser bajulada mesmo, é possível?
Beto limitou-se a abrir os olhos um pouco mais do que o normal, deixou um pedaço de carne dançar no pomo-de-adão, difícil de descer, e fitou por segundos longos demais o guardanapo bordado sobre a mesa.
_ Já faz cinco anos que estamos nessa de namoro, nada muda, nenhum compromisso mais sério. Só esses jantares todo ano, para celebrar o início da nossa relação. É um saco, já está repetitivo.
A voz da moça começou a subir desagradavelmente, na medida em que a pele do rapaz se tornava rubra em torno do pescoço.
- Faz uns bons dois dias que você não diz que eu estou linda. Não notou quando eu cortei o cabelo a última vez. Nunca elogia minha nova cor de esmalte ou batom… Parece que eu sou transparente, uma sombra, uma alma penada que o acompanha mecanicamente onde quer que você queira que eu vá.
Beto achou melhor colocar o garfo sobre a mesa e encarar pacientemente a mulher à sua frente. O que mais poderia fazer naquela situação?
_ Você não vai dizer nada? Desafiou a moça.
A essa altura, o rubor já tinha se espalhado pelas bochechas e testa do rapaz. Fez-se um silêncio curto e constrangido. Finalmente, ele respondeu:
_ Na verdade, eu pretendia lhe oferecer um anel de noivado hoje, mas acho que o clima não está propício. Talvez a gente deva deixar para outro dia.
Desconcertada, Rosa se desfez em pedidos de desculpas:
_ Estou com dor de cabeça porque dormi pouco esta noite, você sabe como isso destrói o meu humor. O trabalho hoje foi péssimo, lá em casa está uma confusão  com a separação dos meus pais, você pode imaginar…
E arrematou, com voz chorosa:
_ Eu sou uma idiota.
Beto ficou imaginando, enquanto decidia qual seria seu próximo passo, se aquele era o momento para ser sincero ou simplesmente discordar da namorada.

FIM

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