Rebite





            O barulho do motor parecia um mantra. A cada troca de marcha, uma nova entonação. A mesma e monótona reza. João se acostumou ao ruído faz anos. Um companheiro de estrada.
            Antes o barulho como companheiro do que o último caronista. O homem estava no posto de combustíveis daquela vicinal. Parecia ser apenas mais um estradeiro. Mas nem chegaram a rodar 4 quilômetros, o sujeito se revelou um descontrolado, um faminto, um vampiro. Até aí tudo bem, mas querer morder o pescoço de quem lhe ofereceu carona, é muito desaforo. Aquele cheiro de necrose e túmulo que exalava… Para dizer a verdade, João não se lembrava de ter oferecido carona a ele… nem de quando o vampiro entrou no caminhão. Muito menos de quando saiu – se é que saiu! João ficou gelado com a idéia de que o indesejado passageiro ainda estivesse ali. Olhou para trás bruscamente. Puxou a cortina de sua cama. Percorreu cada centímetro do teto da cabine com o olhar, à procura do vampiro virado em morcego. Nada encontrando lembrou-se que o caminhão estava em movimento. Voltou a olhar para a estrada, a tempo de sair da contramão e evitar uma batida.
            O mantra continuava…”vrum vrum vrum descanso nenhum nenhum nenhum”. Dois dias na estrada, sem parar. Ou será que ele parou? Para dar carona ao vampiro! Claro! Foi o vampiro que alertou sobre o cachorro parado no meio da estrada. Cachorro louco babando. João desviou no último segundo. Viu pelo retrovisor quando o animal se apoiou sobre as patas traseiras, endireitou a coluna e, qual homem, atravessou a pista uivando para a lua. O vampiro impediu que João matasse o lobisomem.  Não faz nem quatro quilômetros. Se bem que lobisomem só morre com bala de prata. Mas cadê esse danado desse vampiro? É mesmo, João o expulsou do caminhão depois daquela tentativa de mordida, ainda agorinha, não faz nem quatro quilômetros. Foi quando saíram da vicinal para a via expressa, e viram o cachorro louco homem lobisomem.
            Mas que via expressa? João ainda estava rodando pela vicinal… Pelos seus cálculos, a via expressa ficava a uns bons 4 quilômetros. O fedor de morte continuava impregnando a cabine. João se assustou de novo ao perceber – ao saber – que o vampiro ainda estava ali com ele. Só poderia estar! Caninos arreganhados, olhos injetados. Mas onde? Procurou de novo. Nada achou. Talvez fosse bom parar e procurar melhor. “Não posso”, pensou. A entrega da carga já estava atrasada. Ele tomaria um baita prejuízo. O jeito era continuar ouvindo o mantra.
            Quanto tempo se passou? Um segundo? Uma hora? Lembrou-se de algo importante: olhar de novo para a estrada! A buzina de outro caminhão quebrou a reza hipnótica do motor. João já trafegava a longos segundos pelo acostamento. Alta velocidade. Buscava o paredão de granito ao lado da rodovia. Saiu da vigília narcotizante bem a tempo! Caiu de novo no sono real da estrada.
            _Se pelo menos as formigas parassem de picotar minhas pernas, desejou.
            Foi quando viu a lua brilhando à sua frente, quase rente ao asfalto, vermelha como uma bola de fogo. Sob sua luz, a Mulher de Branco.
            _É ela, a desvairada, disse o vampiro alarmado, com seu hálito de túmulo. Não pare não que ela te mata!
            Apavorado, João se deu conta da presença mórbida a seu lado. Foi quando viu a lua brilhando à sua frente, quase rente ao asfalto, vermelha como uma bola de fogo. Sob sua luz, a Mulher de Branco.       .
            _É ela, a desvairada, disse o vampiro alarmado, com seu hálito de túmulo. Não pare não que ela te mata!
            _Se pelo menos as formigas…
            Mas isso já aconteceu faz uns 4 segundos talvez 4 dias 4 quilômetros atrás só vai acontecer daqui a 4 quilômetros daqui a 4 vidas!
            Acidente na estrada. Cabine esmagada. Motorista morto. No enterro, estarão o vampiro, o lobisomem, a Mulher de Branco. Até as malditas formigas! Últimos amigos que lhe restaram. Companheiros da última viagem.   

Indaiatuba, 29/06/2008


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