Bug
Elisário
estava naquele torpor pós-almoço, jogando paciência na tela do computador,
quando surgiu o problema. Notou a perda de conexão com a internet. Tentou
reacessar a rede, fracassou. Insistiu. Nada. “Bem na hora de fechar a sequência
de cartas”, pensou aborrecido.
Só
então se deu conta. Aquilo não deveria acontecer. Menos de um minuto se passou
antes do interfone tocar. “Cacete, o bat-fone”, assustou-se. Esse é o nome que
ele deu à linha exclusiva com o diretor do departamento.
_Elisário!
O que aconteceu? Perdemos a net rápida! Você não estava monitorando o sistema?
_Estava,
mentiu. _Claro, estava tentando resolver, já ia te ligar. Elisário é o
encarregado de sistema dessa grande concessionária de telecomunicações. A net
rápida que ora se apresenta rebelde, é o principal produto da firma. Serve a
empresas, computadores domésticos, entidades públicas.
_Resolve
logo então, meu filho. Não quero clientes enchendo meu saco em plena
sexta-feira. “Já estava saindo para o fim de semana com a Gessi”, pensou sem
confidenciar ao subalterno. Gessi é a secretária do diretor, funcionária de
escritório e, ocasionalmente, de alcova.
Elisário
começou a suar frio. Será que essa merda é geral, ou foi só aqui em volta da
sede?” Verificou os monitores. “Danou-se”, lastimou.
Logo
a sala de sistemas integrados virou um inferno. Gente correndo, engenheiros se
esbarrando, gritos. Lá fora o inferno era ainda mais quente. Bancos
inutilizados, serviços públicos parados, adolescentes onanistas sem conseguir
acesso às páginas de sacanagem. O povo começou a reclamar. O 0800 ficou
congestionado, as atendentes mais sensíveis (sim, existem operadoras de
telemarketing sensíveis, por incrível que pareça) começaram a chorar diante dos
palavrões dos usuários.
O
diretor entrou correndo, o rosto vermelho, a voz alterada.
_E aí, porra, o que é isso?
Como é que Elisário poderia
saber? Os manuais de procedimento para casos como este juntavam poeira na
gaveta há anos. Tudo que saísse da rotina era um Deus nos acuda para sua
burocrática incompetência.
_Calma,
seu Juvenal, calma que a gente resolve.
Várias
horas depois o otimismo já tinha escorrido pelo ralo. O presidente da empresa
apareceu no jornal das oito para dizer, constrangido e patético, que não sabia
qual era o problema. Pior, não tinha idéia de quando a situação estaria
resolvida.
_Cabeças
vão rolar, Elisário. ameaçou o diretor Juvenal.
Foi
quando entrou Gessi, graciosa no vestidinho sumário, já maquiada e perfumada.
_Tchau,
Juvenal, boa sorte.
Juvenal
puxou a moça pelo braço para um canto.
_Como
assim, tchau? E o nosso fim de semana na praia? A patroa está em Curitiba
visitando a mãe, está liberado para a gente, minha flor…
_Ai,
desculpa, Juvenal, mas eu que não vou ficar aqui presa, sexta-feira à noite,
esperando você resolver essa porcaria. Além do mais, o Reginaldo me chamou para
uma cerveja.
_O
Reginaldo da contabilidade? Que é isso, esse cara é casado, pai de dois.
_Ué,
e você por acaso é solteiro?
Sem
mais argumentos, Juvenal se rendeu à ingratidão da secretária amante. Voltou
para perto de Elisário, a tempo de vê-lo puxando os cabelos e esmurrando a
mesa.
_O
que foi agora? Perguntou.
Elisário
nem respondeu. Só apontou para a tela do computador. Uma caveira dando risada,
com os dizeres “Bug do Milênio Atrasado” enchia o video.
_Vai
ser um fim de semana daqueles, profetizou Elisário.
_Elisário.
_Que
foi, seu Juvenal?
_Pede
para alguém buscar sua escova de dentes em casa, que é por aqui mesmo que nós
vamos ficar.
Lá
fora, a lua alta no céu prenunciava o início de uma longa madrugada.
Conto baseado na pane do Speed, da
Telefonica.
Indaiatuba, 3/07/2008
Marcos Correia, 38 anos, jornalista
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