Angústia
Cansado do
convívio com outros seres humanos, o viúvo buscou refúgio na fantasia. Criou
toda uma penca de pessoas inverossímeis, fruto de sua quase inesgotável
criatividade.
Cheias de manias
e medos, essas pessoas inventadas. Chatas como as pessoas reais. Inferiores
como qualquer outra pessoa que não fosse a falecida. Inferiores como ele
próprio se sentia, reduzido à metade sem a metade que o completava. Destilando
seu cinismo e desencanto naquelas caricaturas que fabricava. Um arremedo de diversão.
Inventou uma
amante, mais virtual que qualquer webgirl, existente apenas em suas figurações
introspectivas. Arranjou para ela um nome, Acácia. Um corpo, de formas
generosas, pernas compridas e roliças, bunda redonda, seios de mulher-jaca.
Ao lado dessas
características, que muitos considerariam qualidades, acrescentou uma série de
defeitos. Acácia seria uma mulher volúvel, de se deixar no vento sem rumo
certo. Insaciável à beira da danação. Quanto mais bizarro o sexo, melhor.
Pensando bem, haverá quem ache nesses atributos mais vantagens do que problemas
de personalidade.
Defeito mesmo, só
o de beijar muito mal, imaginou o viúvo. Beijo de hálito de cebola, língua
esponjosa com mania de enfiar-se em boca alheia.
Só aparece de vez
em quando. O sexo vai direto aos finalmentes.
_Não dá para
beijar você, Acacia.
No fim do ato,
invariavelmente, o viúvo imagina que uma boa punheta teria sido mais
interessante. Não vê a hora de se livrar da amante-fantasma.
Não suporta a
convivência com as pessoas de verdade. Não suporta a convivência com as pessoas
de mentira. Não suporta a vida. Melhor dar fim a tudo, cortar os pulsos e ir se
encontrar com a morta.
Não, se cortar os
pulsos, é possível que algum intrometido ainda tenha tempo de salvá-lo.
Lembra-se do que disse um amigo jornalista, com ares de especialista no
assunto:
_Quem quer se
matar mesmo, pega um “trezoitão” e aperta o gatilho, assim, com o cano
apontando pro céu-da-boca. Os outros, que pulam de prédio ou tomam veneno, só
querem chamar a atenção.
O viúvo não quer
a atenção de ninguém. Só quer ser esquecido, esquecer de si mesmo, esquecer
tudo. Aquela dor, aquele acidente, aquela perda.
Colocou o relógio
para despertar e tentou dormir.
MC, 2/04/2009
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