Eleições

Era uma vez uma bela terra, muito, muito distante, onde vivia um povo feliz e hospitaleiro. A vida era dura, o trabalho era mal remunerado e a ignorância se espalhava pelos campos e cidades como uma praga; crianças morriam de fome antes do primeiro ano de vida, velhos não conseguiam o bastante para sobreviver e, apesar de sempre terem contribuído com o governo, não recebiam de volta nem o suficiente para uma aposentadoria digna.
Mas mesmo com todas as mazelas, o povo era feliz porque tinha "democracia".
Sim, eles podiam escolher os próprios governantes. Mesmo não sabendo muito bem o que faziam, sentiam-se importantes. Afinal, de tempos em tempos, os poderosos da terra olhavam para eles com inegável afeto, sentavam-se com eles à mesa, comiam com eles, tomavam incontáveis cafezinhos em bares humildes. Imploravam a atenção do povo; pediam humilhantemente que as multidões permitissem que eles continuavam nos cargos que ocupavam - ou, no caso da oposição, mendigavam uma chance de provar que fariam melhor.
Nesta bela terra, os candidatos apareciam todas as noites na televisão, comendo pastéis de vento, coxinhas de rodoviária, beliscando buchadas de bode e até bebericando uma aguardente. Tanta disposição gastronômica acabou irritando um velho feiticeiro que vivia recluso, longe de todos mas perto da TV. Ele conjurou uma maldição que trouxe o desespero e a miséria para todos os candidatos. Morreram de indigestão, um a um, contorcendo-se de dores, sufocados pela própria falsidade. 
Por um momento o povo ficou desesperado. Não havia sobrado ninguém para conduzir os rumos do país. 
Até que um dia eles acordaram de manhã, viram que o trabalho continuava o mesmo, a vida seguia seu curso. Só uma coisa havia mudado: a dureza das obrigações diárias parecia mais leve porque ninguém no topo da montanha receberia um centavo pelo trabalho deles. O alto da montanha do poder estava vazio, e, num misto de alegria e excitação, aquele belo povo se entregou de corpo e alma à deusa Anarquia.


FIM

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