Fetiche



            Enquanto passa o creme nas longas pernas, Ângela sente a onda de calor sair dos dedos das mãos para o tornozelo, percorrer rapidamente o trajeto até as coxas, e mergulhar insidiosamente nas dobras da vagina ainda perfumada pelo banho.
            Um calafrio de prazer arrepia a pele nas costas e pescoço, eriçando os pelos da nuca. Ela não contém o gesto instintivo. Leva os dedos ainda lambuzados de hidratante até as dobras do sexo. Afasta os lábios com gestos suaves mas decididos. Penetra as carnes com o médio à caça do prazer. Logo o indicador segue pela mesma fenda. A cavidade é explorada com leveza e luxúria, entre espasmos de gozo.
            _ Reinaldo! Ah! Reinaldo!
            A mente divaga enquanto o corpo permanece estendido sobre os azulejos, entre mármores caros e toalhas de fio egípcio. Ângela viaja no tempo até algumas horas atrás, na tarde moribunda, na praça. Ela e o namorado passeando entre crianças e idosos, pombos e grãos de milho espalhados pelo chão. As árvores de copas frondosas, as flores espalhadas nos canteiros numa simetria disléxica. Os cheiros conflitantes de plumas em suspensão no ar e chuva recém caída. Chuva antes do sol que ardeu com apaixonado vigor.
            Ele estava no meio da praça. Nas mãos, alguns malabares. No nariz, uma máscara de palhaço. Na pele, a maquilagem pesada e o suor escorrido. Ângela interrompeu o passo. Apertou a mão do namorado a ponto de chamar-lhe a atenção.
            _ Que foi, Ângela?
            As palavras demoraram um segundo para sair. “Nada... interessante, um anão malabarista!” O namorado olhou com indiferença, e também deteve a caminhada. O casal ficou observando o pequeno deformado que se exibia com um sorriso forçado no rosto.
            As mãos minúsculas em braços anormais jogavam para o céu uma coleção de bolas coloridas. Agarravam-nas com surpreendente agilidade, e jogavam-nas novamente em direção às copas das árvores. O rosto inalterado matinha o sorriso falso. O suor traçava uma trilha esbranquiçada no meio do pó-de-arroz. As pernas retorcidas mantinham-se afastadas em busca do ponto de equilíbrio.
            Os velhos observavam. As crianças observavam. O namorado observava. Mas ninguém da mesma forma que Ângela. O calor descia de seu ventre para o meio das pernas, depois subia taciturno, como um tigre à espreita, até as faces que se tornavam mais e mais afogueadas.
            Não, não, ninguém poderia imaginar, ninguém deveria suspeitar. Só a ela competia aquele sentimento e aquela loucura. Olhar o pequenino era como beber um cálice de fogo. Nervosa, Ângela olhou em volta para se certificar de que suas reações passavam despercebidas de todos, principalmente do namorado. Mas logo desistiu de qualquer preocupação; dirigiu o olhar para o homenzinho mais uma vez, prisioneira de uma atração irresistível.
            Terminada a exibição, o artista tirou o chapéu coquinho que usava e o estendeu à vista do público, aguardando donativos. Algumas moedas foram atiradas ao ar e habilmente recolhidas com o chapéu, enquanto outras se espalhavam pelo chão. Ângela abriu a bolsa, pegou uma nota maior, aproximou-se do anão com andar vacilante.
            _ Muito bonito o que fez. Qual o seu nome?
            _ Pimentinha!
            _ Não, não o nome artístico...
            _ Reinaldo. Eu me chamo Reinaldo.
            O minúsculo ser estranhou o interesse daquela moça impressionante. Loira, corpo perfeito, mais de metro e oitenta de altura, com certeza mais, Reinaldo calculou com dificuldade, do alto de seu metro e vinte. Mas, talvez ele tenha tomado sol demais nesta tarde. Terá notado um pouco de ardor no olhar da mulher? Uma jovem digna de figurar em revistas masculinas ou novelas de TV, olharia para ele com algum desejo? Como? Com certeza era febre. Quando chegasse ao barraco onde mora, no alto do morro, tomaria um banho gelado de caneca e iria direto para a cama.
            Mas, quando pegou a nota da mão da moça, uma onda de eletricidade indicou que ele tinha razão. Por mais absurdo que aquilo fosse, por mais irracional e bizarro, aquela maravilha estava atraída por ele. Via o homem por trás da deformidade, ou talvez fosse a própria estatura insignificante que a excitasse. Reinaldo já tinha ouvido falar de gente com essas manias... como é mesmo o nome? Fetiches!
            _ E o seu nome, moça, qual é?
            A pergunta saiu engasgada e tímida.
            _ Ângela!
            A conversa foi interrompida por um impaciente namorado, puxando a moça pela mão, obrigando-a a largar os dedos encolhidos de Reinaldo.
            Depois daquele encontro o anão ficou tão perturbado que não conseguiu mais acertar nenhum malabarismo. Resolveu interromper o trabalho. Entrou no primeiro ônibus para o morro onde morava, subiu as vielas fedorentas aos saltos minúsculos, entrou no barraco com o peito em brasa, ofegante.
            _ Já em casa, Reinaldo?
            A mãe achou estranha a chegada repentina do filho. Ajeitava a blusa sobre os seios, enquanto um dos amigos dela aparecia junto à cortina que separava o quarto da sala-cozinha. Parecia contrariado, aquele filho da puta, enquanto ajeitava o zíper da calça. “Mas o verdadeiro filho da puta sou eu”, constatou Reinaldo, com amargura.
            Nem o desconforto desse encontro diminuiu a aflição que o jovem carregava na alma. Ele foi para fora do barraco às pressas, até a latrina . Fechou a porta da casinha miserável, abaixou as calças, envolveu o pênis com os dedos rechonchudos e começou frenéticos movimentos de vai-e-vem.
            Imaginou as pernas loiras, os pelos dourados sobre a pele macia, Ângela usava uma minissaia, ele quase conseguiu ver sua calcinha. Aquelas pernas acabavam bem na altura de sua boca. Bastaria um gesto para enfiar a cara entre as coxas da mulher e beijá-la no ponto mais sensível. Beijá-la muito, muito, ali mesmo na praça, na frente de todos, diante do namorado embasbacado.
            _ Ângela! Ah! Ângela! _ resmungou Reinaldo tentando conter um grito, enquanto o gozo jorrava de encontro à porta de madeira do banheiro imundo.

FIM

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