Primavera



            Julio olhou para os lados e resolveu arriscar. Abaixou-se rapidamente e colheu uma rosa do canteiro, tão ligeiro quanto foi capaz. Imediatamente ouviu o apito do guarda, como que reprovando o furto irresponsável.
            Só lhe restou correr. Seria ridículo, logo aos 13 anos, ser detido pelo furto de uma rosa. Nota biográfica constrangedora, seja para uma futura carreira de crimes, seja para uma vida regrada – ainda não se sabe ao certo qual será o futuro desse menino.
            Felizmente o guarda, acostumado a cafés-da-manhã de graça, bom garfo desde a infância, não teve pernas para alcançar nosso pequeno ladrão. Mas que ninguém se preocupe, este prosaico fracasso do policial em nada contribuiu para a piora da criminalidade: a cidade é tranquila. O último roubo de galinhas ocorreu há mais de três meses.
            Julio virou uma esquina e permitiu-se parar para recuperar o fôlego. Nas mãos, o produto do roubo: a rosa de pétalas muito abertas, um vermelho aveludado emoldurado por folhas verde-escuro. Resolveu finalizar o plano antes que as pétalas murchassem, ou que o guarda o apanhasse. Tomou a direção da casa de Rosa.
            Pelo caminho, ia pensando se diria alguma coisa, talvez alguns versos, “uma rosa para Rosa”. Não, esse é ridículo e alguém já usou. “Rosas são vermelhas, violetas são azuis”… péssimo e inverossímil, já que hoje em dia existem rosas azuis, negras, até verdes – ele viu numa exposição em Holambra! Talvez ele devesse simplesmente entregar o presente e falar da sua admiração, do seu amor, mas faltam palavras para tal empreitada. Julio mal consegue repetir as frases da lição de português, na escola.
            O garoto cheio de acnes na cara chegou à casa de Rosa decidido. Tocaria a campainha e sairia correndo, deixando a flor em frente à porta. Mas de que adiantaria esse ato, se a menina não soubesse quem era o autor? Coragem, onde está você?
            Julio foi se aproximando lentamente, passos miúdos e inseguros, medo na garganta e nas mãos trêmulas. A cinco passos da entrada, levou um susto de tirar fôlego e suspender as batidas do coração. A porta da frente abriu-se de repente. Rosa saiu, de blusa sem mangas e shorts, meias brancas, tênis, uma sensualidade inocente e precoce. Sorriu ao ver Julio, e com o sorriso, iluminou as redondezas. Logo a menina notou a flor, abriu ainda mais o sorriso, “é para mim?”. Não esperou resposta, tomou a rosa das mãos de Julio. Em troca, deu-lhe um suave beijo nos lábios. Saiu cantarolando, com a flor nos cabelos castanhos.
            Julio ficou olhando a menina se afastar, pensando apenas na própria boca beijada. Os dedos subiram até ela, tocaram os lábios para certificar-se do que tinha acontecido. Só um minuto depois o garoto teve presença de espírito para sair dali, voltar para casa. Desde então, para ele, a Primavera passou a ser a mais bela das quatro estações.

MC, 31/08/2008





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