A bala tardia
O ar recendia a pólvora queimada e poeira. Uma como que névoa se espalhava pela paisagem
tórrida da caatinga e deixava tudo coberto por uma atmosfera terrosa,
alaranjada. Era difícil respirar em meio ao calor do sertão no sol de pouco
mais de meio-dia. No meio da fumaça de pequenos focos de incêndio, distinguiam-se
vultos andando de um lado para o outro, de forma desordenada. Alguns corriam,
perseguidos de perto por outros. Alguns caminhavam lentamente, levantavam o
braço armado com facão ou espada ao se aproximarem de outros vultos que pareciam
estar de joelhos; mãos postas em prece, uivos de desespero cortando o ar. Num
segundo, os que estavam de pé baixavam as mãos violentamente. Silenciava então
o uivo e a vítima de joelhos caía ao solo com o corpo separado da cabeça.
Lá para os
lados da trincheira, alguns estampidos ainda se faziam ouvir. Os últimos
jagunços resistiam, embora doentes, famintos e quase sem munição.
A cena se
repetiu dezenas de vezes aos olhos de um grande grupo de crianças reunido no
centro do arraial. Crianças que já não tinham mais voz para gritar por seus
pais, perseguidos pelos soldados da recém-instituída República, a gloriosa
república do povo que usava sua abençoada força para arrancar cabeças. Os
pequenos observavam tudo, protegidos do terror explícito apenas pela fina
camada de poeira e fumaça que cercava o vilarejo.
Logo um mar de
sangue começou a se mover em desalinho pelo chão. As ondas vermelhas aproximavam-se
das crianças reunidas, cercavam-nas por todos os lados, avançavam como uma maré
escarlate, indiferentes à amargura que oprimia os coraçõezinhos. Os soldados
que montavam guarda limitavam-se a levantar os pés, procurando uma pedra ou tronco
onde subir para não sujar as botas de campanha. Vez ou outra lançavam olhares
ferozes para os pequenos sentados na terra espremidos uns nos outros, tentando
evitar o contato com o recém-derramado sangue dos pais.
A tarde buscava
apressada o seu fim, quando a cena de terror mudou de enredo. Os corpos
decapitados foram amontoados nos fundos do arraial, no sentido contrário ao do
declive acidentado por onde as tropas fizeram o assalto. Uma guarnição trocou
as armas pelas pás e picaretas, golpeou incansavelmente a terra ressequida,
dura como pedra. Uma grande vala foi aberta para engolir aqueles corpos,
aquelas cabeças, provas da barbárie. Os mortos foram jogados para dentro de sua
sepultura comum. Alguns atirados pelo ar, outros simplesmente empurrados com as
botas. Baques surdos fizeram-se ouvir como um tambor de funeral marcando o
compasso de uma marcha. A cada ruído de corpo contra o fundo da vala, as poucas
crianças que ainda não estavam completamente fora de si encolhiam os ombros e
arregalavam os olhos, como se ouvissem o som da própria condenação.
O ruído que se
seguiu foi o das pás trabalhando novamente, dessa vez para encher de terra a
vala repleta de corpos. O enterro foi mais rápido do que se esperava, os
soldados não estavam muito preocupados em cobrir totalmente os cadáveres,
resolvidos a deixar para os caracarás e urubus a conclusão do precário
sepultamento. Homens e mulheres, há poucos meses confiantes nas palavras e
profecias de seu mestre, certos de um futuro grandioso que os aguardava, de sertão
virando mar e mar virando sertão, já não passavam de carne sem vida, alimento para
as aves carniceiras e os vermes da terra.
Deocleciano
viu o pai morrer sem chance de defesa, a cabeça rolando solta do corpo numa
poça de sangue. Viu a mãe morrer da mesma forma, logo na sequência, sem nenhum
grito final na garganta cortada. Depois parou de ver, mesmo com os olhos
abertos. Não viu mais os amigos morrendo, um depois do outro, decapitados. Zé
Selador, que cuidava dos poucos cavalos e jegues do arraial; Jerônimo, que se
orgulhava de ter sangue índio; Ribamar, bandoleiro procurado em três estados do
Nordeste e vindo para estas bandas atrás de proteção e acolhida; Laurentina,
que foi a primeira mulher de muitos dos meninos dali; Gumercindo, ex-padre que
se desencantou da igreja e resolveu seguir o Conselheiro; Maria Homem, que
ganhou esse apelido depois de mostrar valentia em muitos combates contra as
tropas republicanas; Honório, velhinho já, sempre grudado a um terço que dizia
ser lembrança da mulher morta antes dele vir para o arraial; Raimundo, Cosme,
Deodoro, Deolinda, Amália, todos devotos de Conselheiro. Todos mortos da mesma
forma, alguns feridos pelos disparos da canhoneira e das espingardas, todos
sangrados como porcos, passados a fio de espada para economizar balas.
O menino temia
mais a terrível arma branca do que as balas da artilharia. Lembrava-se
perfeitamente da bênção especial que recebera de Conselheiro quando do seu
oitavo aniversário, poucos dias atrás. “Bala nenhuma há de entrar nas suas
carnes”, disse o santo homem, sem contudo estender a proteção sobre um ataque
com faca, fação, cutelo ou espada.
Quando
um dos soldados apontou o revólver para sua cabeça e apertou o gatilho,
Deocleciano nem se mexeu. Não foi a fé na palavra do Conselheiro que o manteve
firme, mas o medo que travou suas pernas. Quando a arma picotou sem disparar,
sob as pragas do soldado, Deocleciano ficou parado, olhando com expressão
espantada, até que foi puxado para longe dali por um rebuliço de crianças em
fuga. Quando deu por si, estava no meio delas, cercado pelo sangue e pelo ódio,
acuado.
Deocleciano
notou um homem que se aproximou do lugar onde estava o corpo de Antonio
Conselheiro, com alguma coisa que o menino nunca tinha visto nas mãos. Uma
espécie de caixote apoiado num tripé. O homem apontou o objeto para o corpo sem
vida e pareceu apertar alguma coisa no caixote. Depois se afastou. Então
apareceu outro homem, cabelos penteados para trás, um grande bigode coroando a
boca, meio empoeirado em sua camisa de campanha maior que o corpo, dando a
impressão de andar com dificuldade em botas também maiores que seus pés. Nas
mãos nenhum revólver, mosquete ou facão. Apenas um bloco de notas e um lápis. O
homem andava pelo arraial num ritmo aparvalhado, os olhos meio vidrados e muito
abertos, a boca entreaberta como quem rezava baixinho. Passou perto de
Deocleciano e o menino conseguiu ouvir o que ele dizia. Repetia sempre a mesma
frase, “um crime, um crime, um crime”...
Um soldado
mais próximo comentou com outro que aquele jornalista, o tal Euclides, não
tinha mesmo estômago para ver o que precisava ser feito. Era necessário não
deixar pedra sobre pedra, acabar com a revolta até a raiz, arrancar toda
semente de insurreição, mas o jornalista jamais entenderia a grandeza daquela
tarefa, a importância do trabalho do exército em defesa da Pátria, trabalho
levado a cabo com tanta presteza ainda que depois de tantas incursões
fracassadas. Se dependesse do soldado, nem as crianças sobrariam para contar a
história, vai que elas crescem e resolvem vingar os pais organizando algum tipo
de rebelião...
Uma menina
ouviu esse comentário ameaçador e começou a chorar. Deocleciano tentou
acalmá-la, aproximou-se e tocou-lhe o joelho mirrado e sangrento, mas foi
repelido. A pequenina pareceu entrar dentro de si mesma de tanto que se
encolheu para evitar o toque dele. Uma mulher se ergueu do grupo de
prisioneiras, mantido sob vigilância poucos metros à frente das crianças.
Gritava desesperada, “o meu filho não, o meu filho não!”. Diante dela um
oficial do exército carregava um menino debaixo do braço, ignorando as súplicas
da mãe. Outro soldado, impaciente, fez a mulher calar com um movimento certeiro
de facão quando ela avançava em direção ao filho. Foi então que
Deocleciano notou que muitas outras crianças estavam sendo apartadas do grupo,
puxadas por soldados para trás do casario. Gelou de medo quando um homem alto,
transpirando autoridade apesar da farda imunda, se aproximou dele e o ergueu
sem nenhum esforço.
_Está com
sede? _ perguntou, quase com gentileza na voz. O menino não conseguiu
responder.
O soldado tomou
o cantil, passou-o ao garoto obrigando-o a pelo menos molhar os lábios.
Deocleciano não resistiu mais à sede insuportável, bebeu aos gorgolões, até que
o homem afastou o cantil
_ Devagar que
assim você se engasga.
Tenente Isauro
_ esse era o nome do insuspeitado benfeitor _ levou o menino até uma sombra,
perto dos barracos miseráveis onde antes vivia a população do arraial.
Sentou-se ao lado dele e disse, não como quem faz uma consulta, mas como quem
comunica uma decisão:
_Você vai
comigo para a Capital.
Deocleciano
não foi capaz de responder ou reagir, nem mesmo sentiu qualquer coisa, os olhos
ainda impressionados com a morte violenta dos pais, ciente de que não lhe
restara ninguém mais no mundo. Ninguém, a não ser o tenente Isauro.
E
assim foi feito. Deocleciano seguiu para o Rio de Janeiro. Teve notícias do
crânio de Antonio Conselheiro sendo festejado em praça pública como troféu de
guerra. Toda a população parecia tomada de uma loucura sanguinária, ajudando a
matar o que já estava morto há muito tempo, tentando enterrar seus medos e
incertezas junto com a cabeça decepada do mito. Mas os cuidados de Isauro para
que Deocleciano não tomasse ciência desses fatos eram desnecessários. Depois do
que experimentara no arraial de Canudos, dificilmente alguma coisa o chocaria
durante toda sua vida. Aos oito anos incompletos, já estava marcado com a sina
dos traumatizados. Seu futuro, uma grande incógnita que parecia não
preocupá-lo.
Começou a
frequentar a escola, onde recebeu tratamento especial apesar do temperamento
intempestivo e da dificuldade com as letras. Nunca conheceu o rigor da
palmatória, nem mesmo quando provocava brigas com os colegas, disparava
xingamentos à professora, possuído por uma rebeldia incontrolável. Recomendação
do próprio tenente Isauro, toda vez que recebia queixas a respeito do menino:
_ Nele ninguém
encosta a mão, já sofreu o suficiente para mais de duas vidas.
Mesmo não
abrindo mão de alguma autoridade, o oficial do exército deu liberdade quase
completa como presente ao filho adotivo.
Apesar do ódio
que nunca o abandonou, um ódio meio sem alvo definido, Deocleciano começou a se
interessar pelas lições. O carinho recebido dentro de casa, equilibrado com
regras sensatas, impediu que se tornasse um marginal. Em respeito a Isauro,
resolveu cumprir suas obrigações.
Manteve sempre
uma distância respeitosa do padrasto, como quem sabia que não devia estar ali.
Intuiu que
seria importante descobrir o que significavam aqueles desenhos que lhe
apresentavam durante a aula, aqueles números que, combinados, transformavam-se
em outros números numa mágica misteriosa. Conseguiu enterrar o ódio dentro do
peito e dar vazão à inteligência. Afinal, aprendeu o suficiente para aspirar à
carreira militar, mirando o exemplo do pai adotivo.
Não quis,
porém, servir no exército. Preferiu dedicar sua vida àquela imensidão de água,
o mar que, antes de chegar ao Rio de Janeiro, só existia nas previsões de
Antonio Conselheiro. O mar, fascinante mar, de ondas azuis parecidas com
aquelas marolas de sangue que lavaram o chão de Canudos e que ele nunca
conseguiu esquecer. O órfão do Conselheiro tornou-se marujo, mais um mulato
entre os muitos mulatos e negros que formavam as tripulações da Marinha
Brasileira.
Tripulação de
mulatos e negros comandada por um oficialato branco. Mantida sob estreita
disciplina, como se ainda houvesse na Marinha a abolida escravidão. Vida dura,
que Deocleciano suportava com valentia, pelo simples prazer de singrar os
mares, viajar, conhecer um mundo com o qual nem sonhava nos cafundós da Bahia.
Uma carreira que lhe abriu os olhos para a imensidão do mundo e das idéias.
Tantos povos, tantas maneiras de agir, tantos costumes e convicções...
Deocleciano tornou-se um rapaz forte e fascinado pela vida.
Numa
das viagens pela Europa, Deocleciano teve oportunidade de travar conhecimento
com a marujada gringa. Ficou sabendo que ali as normas de conduta eram levadas
a sério, como regras mais inquestionáveis do que as próprias leis da natureza.
Surpreendeu-se, sobretudo, com a ausência absoluta de castigos físicos. “It’s
not necessary”, diziam seus colegas de além mar. “Only beasts need physical
punishments, not men”.
Claro
que havia punição e rigor. Quem cometesse crimes ou desobedecesse ordens
acabava na cadeia por uma temporada, ou, dependendo da gravidade, era até
expulso da Marinha Britânica. Mas nenhum marujo ingles tinha sequer uma pálida
idéia da dor provocada por uma chibata.
A
chibata, experimentada por Deocleciano apenas uma vez, mas nunca mais
esquecida. O couro cortando suas costas, apenas porque ele se defendeu durante
uma briga com outro marujo, armado de faca, que tentou cortá-lo. Foram vinte e
cinco chibatadas que arderam durante muito tempo nas carnes dele, mas que
arderam por muito mais tempo em sua vergonha. Mesmo hoje ainda queimam, mais
doloridas do que as costas já cicatrizadas.
Deocleciano
lembrava-se de um colega de nome Marcelino,
que foi condenado a castigo muito maior por ter levado cachaça a bordo e
ferido um oficial que o denunciou. O homem desmaiou depois do centésimo golpe,
sofreu os cento e cinquenta restantes desacordado. Depois foi arrastado para a
cela e jogado no chão, trancado por cinco dias sem tratamento. As feridas
inflamaram, trouxeram a febre e uma infindável agonia. Os gritos do marujo
povoaram os pesadelos de toda a tripulação durante muitas noites.
Os
gringos ouviam essas histórias com olhos arregalados, uma expressão de absoluto
terror, um tremor nos lábios. Revoltavam-se com a desumanidade dos castigos,
incitavam os brasileiros a rebelar-se contra tratamento tão humilhante. “Are
you men or rats?”, perguntavam indignados. E com isso faziam o sangue dos
marinheiros tupiniquins ferver como água no fogo.
Já
em mar alto, a caminho do Brasil, os comentários sobre a chibata romperam o silêncio
das noites, em murmúrios temerosos mas convictos. “Não dá mais para aguentar
esse tratamento”, dizia um. “Se alguém ergue a mão para um marujo de qualquer
outro país, é morte certa para o salafrário”, dizia outro. Deocleciano, que
nunca foi de falar muito, só ouvia, e a cada comentário sentia como se as
feridas em suas costas reabrissem.
Tão
intenso foi o clima durante toda a viagem, que a tripulação do Minas Gerais
chegou ao Brasil cheia de animosidade contra a repressão e seu maior símbolo, a
chibata. Alguns juraram que nunca mais apanhariam, e começaram a se organizar
clandestinamente. Deocleciano juntou-se aos rebeldes desde a primeira hora.
Escreveu em seu diário, com uma amargura e um cinismo típicos de quem já viu
muito, e acredita em quase nada:
“22
de novembro de 1910. Cinco da tarde. O levante é hoje. Deus guarde minha alma,
mas se não guardar, então que o diabo me carregue”.
Ao
cair da noite, Deocleciano e mais dois marinheiros foram até a cabine do
comandante. Sentiu a boca amarga de ódio, a vista turva de rancor. Apertou
forte o cabo da faca que levava. Um dos marujos bateu à porta. Ninguém
respondeu. Bateu de novo, mais forte, e chamou em voz alta “Comandante João das
Neves, abra a porta”. Nenhuma resposta. “Vamos arrombar”, disse Deocleciano com
voz firme, mas ninguém teve tempo de fazer nada. A porta da cabine se abriu com
violência e João apareceu. Ouviu-se um estampido e um grito de dor, o outro
marinheiro abaixou-se segurando o braço sangrento, Deocleciano não pensou,
apenas cortou o pescoço do comandante com um movimento rápido, o sangue jorrou
e molhou seu rosto. Lembrou-se de Canudos, do sangue de seus pais e
companheiros, o sertão virado em mar escarlate _ não como tinha dito
Conselheiro, um mar diferente, de cheiro doce.
Quando
deu por si, Deocleciano estava com João das Neves estrebuchando a seus pés. Um
dos companheiros, ferido de raspão no braço, estava sentado no chão, amparado
pelo terceiro marujo.
Ainda tonto, Deocleciano recobrou
o fôlego, ordenou com murmúrios e gestos que os dois o acompanhassem ao convés,
deixassem João das Neves se afogar no próprio sangue. “Foi ele que ordenou meu
castigo, foi ele que quase matou Marcelino, foi ele…”.
Quando
chegou ao convés sentiu o alívio da brisa marinha espantando para longe a
atmosfera de morte que deixou para trás. Viu João Felisberto e Francisco
Martins, os líderes da revolta, conversando sobre as exigências a serem
apresentadas ao governo. João olhou para Deocleciano, viu o sangue no rosto
dele, limitou-se a perguntar “está ferido?”, ouviu um curto não, soube do outro
marujo ferido à bala e da morte do comandante. Se ficou chocado, não deu
mostras, e retomou a conversa.
Os
dias que se seguiram foram de ameaças, disparos sobre a Ilha das Cobras e o
Palácio do Catete, a população do rio de janeiro saindo de casa e se afastando
da orla o suficiente para evitar os disparos prometidos pelos revoltosos, não
tão longe a ponto de não ver o bombardeio, caso ele começasse mesmo.
“O São Paulo e o Deodoro
aderiram”, comemorou um marinheiro. “O cruzador Bahia também”. Mas quando a
coisa parecia sem volta, os eventos se sucederam de forma rápida e fulminante.
Todo o restante da frota foi colocado a postos para atacar os navios em mãos
dos revoltosos. O ministro da marinha
Joaquim Maria, deu ordem para que não houvesse descanso até que as
embarcações dos rebeldes fossem a pique.
Mas a briga não aconteceu. Em
26 de novembro o Marechal Hermes aceitou as exigências dos amotinados _ a
principal delas, o fim da chibata. Anistiou todos os envolvidos.
Curta
anistia, triste desfecho. Chegou dezembro e quatro marinheiros foram presos,
inclusive Deocleciano, por conspiração. Houve nova revolta na Ilha das Cobras,
com a prisão de muitos e morte de alguns fuzileiros navais. Perto de uma
centena deles foi condenada a trabalhos forçados nos seringais da Amazônia,
Deocleciano entre eles, a despeito dos esforços de seu padrasto Isauro para que
fosse solto.
No
caminho, alguns mais revoltados foram executados sem julgamento nem juiz.
Deocleciano sentiu mais uma vez a boca amarga, prenúncio de alguma atitude
violenta. Esperou o guarda se aproximar dele durante a viagem, agarrou-o mesmo
com os braços acorrentados e tentou estrangulá-lo. Foi detido a coronhadas, até
que desfaleceu sem sentidos. Quando acordou, com as mãos amarradas para trás,
viu à sua frente um grupo de soldados armados com fuzis. Logo entendeu o que
aconteceria.
“Eh
vida sem sentido, de briga em briga, de morte em morte”, balbuciou. As balas do
governo, as balas republicanas que o pouparam em Canudos, vêm encontrá-lo à
beira de uma estrada miserável, caminho da floresta. Lembrou-se mais uma vez da
bênção de Antonio Conselheiro, recebida 13 anos antes. “É agora que descubro se
tenho o corpo fechado contra chumbo”,
pensou, antes de ouvir o espocar do pelotão de fuzilamento.
FIM
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