Festa de fim de ano
FESTA DE FIM DE ANO
Saí da rodovia e virei à esquerda para
passar por baixo da pista num trevo bem sinalizado, antes de atravessar uma
ponte e pegar uma estrada de terra. O endereço e as orientações de como chegar
não deixavam margem para dúvidas, mas eu tinha esquecido o nome do lugar.
Fiquei atento, observando as saídas à direita ao longo do caminho à procura do
sítio onde a festa ocorreria. Só notei que tinha passado do ponto quando
cheguei a uma bucólica vila no fim da estrada. Meia-volta, percorri o trajeto
de novo no sentido contrário, sem sucesso. Cheguei até o trevo de onde tinha
saído e voltei mais uma vez para a estrada de terra, no sentido da vila. Meio
contrariado com aquele vai-vem, resolvi pedir orientação a qualquer um que
aparecesse, cansado de dar voltas como pião. Duas charretes passaram por mim
levantando poeira, puxadas por cavalos empolgados demais para interromper o
trote e permitir um diálogo com os condutores.
Só me
restou seguir em frente. Na primeira portaria, que antes ignorei
deliberadamente, eu parei e perguntei sobre a festa da empresa em que trabalho.
“É aqui mesmo, siga em frente mil e trezentos metros e depois vire à esquerda”,
disse o simpático porteiro. “Por quê não perguntei na primeira vez que passei
aqui?”, pensei. E, ao mesmo tempo, imaginei que aquele porteiro devia ter
ensinado o caminho para tanta gente nos últimos anos, que tinha se dado ao
trabalho de contar os metros que separavam a portaria do sítio. Coitado.
No
caminho esburacado que se seguiu, percebi que minha noção de distância é
absurdamente ruim. Andei alguns segundos pela estrada sinuosa e já fiquei
ansioso: “Cadê o lugar?”. Pensei em parar o primeiro capiau que aparecesse para
perguntar, mas me contive. Olhei para o painel do carro, e percebi que deveria
ter marcado a quilometragem inicial. Aí era só fazer as contas para virar à
esquerda a exatos mil e trezentos metros da portaria. Tarde demais, não tinha
anotado a quilometragem inicial, fosse o que Deus quisesse.
No
fim, porém, tudo dá certo, diz o cliché, e eu tive a oportunidade de comprovar
isso. Cheguei cedo à festa, ainda tinha vaga bem perto da tenda, fui até lá.
Desci do carro com uma forte impressão de armadilha: “festa de empresa, só pode
ser encrenca. Chefe por perto vigiando, gente ficando pegajosa na mesma
proporção em que toma cerveja, longas conversas furadas sobre futebol e, claro,
sobre trabalho. Afinal, sobre o que falaríamos numa festa com colegas de
trabalho?”.
Lutei
contra o sentimento renitente, e prometi a mim mesmo nadar contra a maré: “nada
de falar de trabalho. Nada de ficar na mesma mesa o tempo todo, com as mesmas
pessoas que vejo todos os dias no emprego, falando das mesmas coisas, com a
única diferença de ser apresentado a algumas esposas, maridos e filhos. Vou
circular, puxar conversa com o cara da contabilidade que tem fama de maluco,
com o engenheiro de produto que adora encher a cara, até com o office-boy de
cabelo punk e piercing no nariz. Vou sair corajosamente do meu círculo e, qual
explorador em terra estrangeira, travar conhecimento com outras culturas”.
Nunca
fui a uma festa da empresa em dez anos de carreira, com medo das armadilhas.
Dessa vez não tinha como escapar, seria homenageado justamente por completar
dez anos na empresa. No livrinho de marketing pessoal e gestão de carreira que
li, essa era uma regra sagrada: “não falte a nenhum evento de
confraternização!”. Ai de mim… tinha quebrado essa regra tantas vezes, que
agora só me restava tentar remediar a situação.
Cheguei
e fui me espalhando. Cumprimentei quem eu conhecia e quem eu não conhecia.
Circulei pelas mesas, beijei esposas, apertei as mãos de maridos, belisquei
carinhosamente as bochechas de filhos. Senti-me o próprio candidato, mas uma
coisa engraçada aconteceu. Fazer aquilo começou a me proporcionar uma genuína e
sincera alegria, uma satisfação pessoal. Que bom poder falar com pessoas com as
quais esbarro nos corredores da firma, sempre correndo. Que bom saber que elas
têm uma vida fora do trabalho, têm amores, devoções, alegrias e tristezas. São
gente, enfim, não apenas colegas.
Empolguei-me
por fazer parte daquele grupo.
Na
hora da homenagem, mais surpresas. Não tinha tomado nenhuma gota de álcool.
Precisaria dirigir depois, sabe como é, a lei seca está aí… Mas a emoção
embriagou-me. À medida que o animador da festa chamava os nomes, eu ficava mais
excitado. Até que chegou a minha vez. Fui chamado à frente da multidão, meu
diretor e meu gerente aguardando-me com sorrisos e presentes. Cumprimentei-os
sob aplausos dos colegas, fui fotografado com uma placa nas mãos onde se lia um
agradecimento por meu profissionalismo durante a última década.
Outros
funcionários foram homenageados também, por 10 ou 20 anos de serviços
prestados, e a festa continuou. Fiquei andando pelo recinto, olhando para
aquelas pessoas, mostrando a placa para alguns que se interessavam em ler o
texto, lisonjeado com aquela atenção. Comi, bebi (refrigerante, água, suco),
conversei, dei risada.
Um de
meus colegas, com quem trabalho mais diretamente, veio puxar conversa. “Sabe, dez
anos são muito tempo mas passam tão rápido!” Fiquei esperando ele concluir o
raciocínio.
“Eu
tenho nove anos aqui na empresa, ano que vem eu que vou ganhar uma placa
dessas”, prosseguiu. “Quando cheguei aqui, era solteiro, não tinha filhos, não
tinha casa própria… na verdade eu construí minha vida por aqui!”.
“Eu
também”, percebi um pouco surpreso. A década passada nesse emprego, esse
emprego que às vezes irrita exigindo mais do que queremos dar mas que também
traz satisfação e alegrias, esta década, eu dizia, foi o período em que firmei
rumo. Foi o tempo em que saí das garras do destino para fazer meu próprio
futuro. Papai Noel chegou para fazer a
festa das crianças, filhos dos meus colegas de trabalho. Fiquei observando de
longe, quando caiu uma garoa que logo se transformou em chuva pesada. Enquanto
as pessoas se abrigavam na tenda central, eu concluí que já tinha me divertido
bastante. Fui embora, despedindo-me apenas de quem encontrei pelo trajeto até o
carro.
Dia
seguinte, cheguei muito bem-humorado ao trabalho. Logo na entrada, dei um
não-rotineiro bom-dia a um colega do RH. O rapaz, aparentando pressa e
preocupação, não respondeu. Seguiu seu caminho escada acima, até o terceiro
andar. “Pode fingir”, pensei sem perder o rebolado. “Depois da festa de ontem,
sei muito bem que você também é um ser humano”. O sorriso ainda se mantinha no
meu rosto quando entrei na minha sala para mais um dia de labuta.
MC, 15/12/2008
Inspirado na Festa da EPTV realizada em 14 de dezembro
de 2008.
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