Rent a gun

Pode escolher, freguesia

Birita conduzia o convidado pela estreita passagem. Um cachorro latia e rosnava, furioso.
-”Calaboca”, Hércules! Respeita a visita!
O pitbull abaixou as orelhas e ganiu baixinho, constrangido.
O visitante, na verdade um ladrão “profissional”, traficante e estelionatário nas horas vagas, sorriu amarelo, um tanto intimidado pelo cão, e seguiu Birita até uma edícula.
O comércio de fundo de quintal transpirava inocência, a não ser talvez pelas grossas correntes e cadeados que o trancavam.
Seguiu-se um rápido “clac-clec” das fechaduras sendo abertas. Um arsenal se revelou aos olhos do bandido.
Tudo estava impecavelmente organizado, e Birita não escondia seu “orgulho empresarial” enquanto mostrava o “estabelecimento”:
-Aqui é o setor de punguistas e trombadinhas – disse ele, apontando para uma mesinha de boteco num canto. – Eles também têm que andar armados ultimamente; sabe como é, a violência está muito grande  e até um batedor de carteiras honesto corre o risco de encarar uma vítima mais corajosa, a fim de brigar. Por “dérreal” o assaltante aluga esse canivete ou esse punhal de cabo de osso – uma beleza, não é mesmo?
-“Aluga”? – supreendeu-se o traficante.
-Sim, senhor.  
O traficante olhou para a outra parede:
_Este aqui é o departamento de assaltos e enfrentamentos – explicou o solícito dono da casa. -Pistola 9 milímetros, ponto quarenta, Glock… quinhentinho a hora. E as mais pesadas, Uzi, fuzil e metralhadora – “milrreal” a hora. Agora, se tu quiser levar duas, ganha “inteiramente de grátis” uma granada pra jogar na porta “das delegacia”.
-“Pressionante”, exclamou o bandido. E naquele cantinho ali?
-Ah, esse é o departamento “derruba-licóptro” ou, se preferir, “pára-caveirão”. Esse lança-mísseis “portáti” num pesa quase nada e derruba o Águia que nem mosquito bêbado. É uma beleza de ver. Aluguel baratinho, “cinco conto” a hora.
Seduzido, o traficante se decidiu:
-Aceita pré-datado?
-“Craro” – respondeu Birita – e todos os “cartão” de crédito. Só tem uma coisinha…
-Que foi? – perguntou o traficante.
-Se a casa cair pro senhor, não devolvemos o dinheiro.
-Entrega em domicílio?
-Menos no Morro do Alemão, que por lá a coisa anda feia – respondeu Birita, o dono da primeira loja “Rent a Gun” do Brasil.
Ilustração de Marcos Correia
Ilustração de Marcos Correia



Comentários

  1. É Marcos contemporâneo o tema, um raio X do que estamos vivendo. Parabéns pelo texto, gosto desse tipo de tema, não sei se você gosta de rotulo mas é parecido com alguns escritores que li que se em titulam como escritores de "Literatura Marginal", marginal não no sentido de bandidos mas sim no sentido de expor os acontecimentos que pairam a margem da sociedade. Abraço Luciano Machado!

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  2. Pois é amigo. O incrível é que escrevi isso anos atrás. Abraços.

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