Percurso
_ Ai, que viagem longa! Fica ainda mais
longa por causa do cansaço. Único consolo é ficar olhando esta linda bebezinha
no banco da frente, no colo da mãe. Como é risonha! Que época boa essa da
primeira infância, quando nada me preocupava. Hoje, aguento o chefe babaca o
dia inteiro, e quando chego em casa, ainda tenho que fazer a janta do Eduardo.
E para piorar, esse ônibus fica sempre lotado no fim do expediente. Pelo menos,
consegui um assento e evitei os encoxadores. Olha um ali. Só de olhar já percebo qual é a dele. Acabou de entrar no
ônibus e já fica me sondando com olhos gulosos. Filho da puta, vai ficar
na saudade.
_ Puxa, parece que hoje o ônibus está mais
lotado do que de costume. Deve ser porque é sexta-feira. Vai ser duro esse
trajeto de meia hora até em casa! Mas, deixa eu ver se consigo me acomodar num
cantinho bom. Quem sabe se eu ficar perto de alguma gostosa, pelo menos vou
dando uma de desentendido. Ah, ali está aquela morena maravilhosa, todo dia ela
pega esse ônibus. Seria bom chegar perto dela... Mas hoje ela conseguiu um
assento, e já tem alguém ao lado… Fiquei na saudade, pelo jeito. Sortudo é o
moleque ao lado dela!
_ E se eu puxá conversa com essa morena
maravilhosa? Será que ela se ofendia, achava que eu tava tentando cantá ela? Já
vi ela várias vêiz, mais só hoje consegui sentá perto. Aquele cafajeste ali no
corredor, exprimido entre os ôtro passagêro, bem que gostava de tá no meu
lugar. Já saquei qual é a dele de ôtras viage. Mais hoje se deu mal, canalha.
Eu é que tou perto dela. Se eu tivéssi corage, puxava conversa – quem sabe ela
não gosta dos mais jovem, como eu? Mais vô falá o quê? Sobre a porva de
portuguêis de amanhã no colégio? Odeio portuguêis! Sobre meu trabalho de meio
período como office-boy lá na firma? Minha vida é chata demais, ela porvavelmente
que drumia ao meu lado aqui mêmo. Pensanu bem até que isso num era rúim,
não…Mas a gata parece que tá mais interessada na neném que tá no banco da
frente, no colo da mãe.
_ Nossa, que lugar graaande! Que pessoas
enoooormes! Que barulho mais altooo! Que divertido passear aqui dentro. Por
trás desse vidro tem um monte de luzes passando rápido, parecem raios… É muito
interessante! E essa mulher legal que não desgruda de mim, é tão bonita! Adoro
puxar os cabelos dela e ver seu sorriso. Essa moça aqui atrás da mulher que não
desgruda de mim, é bonita também. O menino ao lado dela não, tem um monte de
bolinhas vermelhas na cara, credo. Mas aquele moço ali adiante deve ser
importante, ele tem um banco só para ele, uma gaveta na frente que abre de vez
em quando para pegar uns papéis e umas pratinhas brilhantes, uma roda engraçada
por onde as pessoas passam, mas só quando ele deixa. Ele deve ser o dono desse
negócio! Tudo é muito divertido, tudo é novidade, não consigo parar de sorrir!
_Fim do dia para todos esses que agora
voltam para casa. Não para mim. Meu turno vai até a meia-noite. Oh rotina de
contar as notas e voltar troco! Não sei por quê não faço como meu irmão e
procuro outro emprego. Mas onde? Emprego está difícil hoje em dia. Ainda mais
para quem não fez faculdade. Só se eu me candidatasse a algum cargo político,
para isso basta ler e escrever – às vezes, nem isso! Opa, fico aqui pensando na
morte da bezerra, e quase esqueço de avisar o passageiro que chegamos ao ponto
dele. Ele sempre desce pela frente, quando o ônibus está assim lotado. Coitado,
ainda vai ter que andar uns dois quilômetros por estrada de terra até em casa.
Pronto, o ônibus parou, ele desceu. Vou virar a catraca para não dar diferença
no caixa depois. Mas por que será que aquele rapaz fica me olhando? Será um assaltante? Ah, não, Deus... Já fomos assaltados ontem!
_Gentil o cobrador, deixa o cara descer
pela frente só para evitar desconforto extra aos passageiros, alguém empurrando
para chegar até o fundo e sair pela porta certa… E honesto também. Ele podia
não virar a catraca e depois embolsar o dinheiro da passagem. Mas não, faz
questão de agir direito. Será que ele tem consciência da própria honestidade,
numa coisa tão pequena como uma passagem de ônibus metropolitano? Acho que
agiria da mesma forma, ainda que se tratasse de um milhão de reais. Fiel no
pouco, fiel no muito! Coitado, se fosse político, não duraria nem uma semana no
cargo com tanta honestidade… Opa, ele notou que eu estava observando, melhor
olhar para o outro lado antes que ele pense que estou querendo assaltar o ônibus!
_Pronto, chegamos ao ponto final. Agora é
só entrar na plataforma, e começar tudo de novo, de volta ao ponto original, e
de lá para cá, até a meia-noite. Mas essa mola solta no meu banco está
machucando a minha bunda, assim fica difícil dirigir. Oh trabalho que não muda!
Só tem mesmo novidade quando atropelo um cachorro sem querer! Sim, porque assalto não é mais novidade, ontem mesmo teve. O consolo é saber
que depois da meia-noite, quando eu largar o serviço e voltar para casa, minha
patroa vai estar lá me esperando. Isso não tem dinheiro que pague, não trocaria
um dengo da velha nem por uma mansão na beira da praia!
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