Perdido na farmácia



 A farmácia, recentemente promovida a "megastore", é um universo numa caixa. Ou em muitas caixinhas, melhor dizendo.

Essas estantes ocupando todas as paredes, cheias de remédios de alto abaixo prometendo cura para as mais exóticas doenças, distribuídos em inúmeras apresentações… os antiácidos ao lado dos analgésicos, as pílulas contra prisão de ventre pertinho dos comprimidos para enxaqueca, logo acima das pomadas para luxações e dores musculares… um cidadão precisa de um mapa para se localizar neste espaço, e ainda assim pedirá socorro ao atendente.

Os princípios ativos são um labirinto de nomes impronunciáveis construídos com todas as letras do alfabeto em combinações esdrúxulas. Que tal a Eculizumabe ou o Harpagophytum procumbens, pra ficar em dois exemplos? 

Não importa o quanto os nomes sejam complicados: eles são sempre do contra: anti-histamínicos, antiinflamatórios, antitérmicos, antidepressivos… é da natureza deles não serem nunca "a favor". Isso é lá com as vitaminas, que também as temos aos montes. 

Tudo se torna pior à medida que a farmácia se transforma num supermercado. Ou será melhor? Mais prático? Encontrar tudo por ali mesmo?

Gôndolas se espalham pelo salão enorme, dividindo-o em corredores estreitos. Tão abarrotadas quanto as estantes nas paredes. Cada tipo de produto é oferecido em pelo menos cinco versões, cada uma em não menos que três marcas distintas, tudo num espectro de preços que vai do sofrivelmente aceitável ao escandalosamente caro. Opção que possa ser chamada de barata  raramente se encontra. Talvez nas balinhas perto do caixa. 

Para os homens, loções pós barba, aparelhos completos para escanhoar o rosto, gels para o cabelo. Mulheres encontram esmaltes, cremes, delineadores de sobrancelhas, batons e outras maquiagens. Para ambos, xampus, sabonetes, cotonetes, preservativos, hidratantes, protetores solares em infinitas gradações, ideais para diferentes tipos de pele e de pessoas.

A higiene bucal merece um capítulo à parte.

Não vou me debruçar sobre os antissépticos e os fios dentais porque isto é uma crônica e não um romance épico. 

Mas não há como ignorar as escovas de dentes. Vêm em todos os preços também, e de todas as cores, e tamanhos, e formatos. Aberrações como as bitufo ou as interdentais nos fazem pensar se aquilo é realmente eficaz na limpeza dos dentes, ou mesmo do vão entre eles. Mas, se existem, a alguém devem servir, o que leva a outro pensamento: sobre a infinita variedade de bocas espalhadas pelo mundo. 

Mas deixemos ali nas gôndolas essas bugigangas coloridas e vamos ao balcão. Nele multiplicam-se as formas de pagamento e até as possibilidades de desconto. Se o paciente (melhor dizer cliente) tem plano de saúde, merece pagar menos. Se baixar o aplicativo da farmácia, também. E ainda tem as promoções do dia, que dão pena de não levar algo com desconto tão atrativo, mesmo que seja totalmente inútil. 

Assim, os remédios invadem definitivamente a categoria de produtos submissos ao lucro, a farmácia assume descaradamente o papel de mercado, a saúde vira um negócio de compra e venda  e as incontáveis ofertas de pastilhas,  comprimidos, xaropes e vermífugos tornam-se lembretes da nossa eterna fragilidade.

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