Vovó Musa


 

Ela aparece quando e como quer, faz apenas o que lhe apetece, insensível a qualquer apelo que julgue indigno de suas dádivas; e desaparece sem mais explicações, fugidia como a brisa do outono.

É vaidosa e exige ser cortejada. O que a agrada, porém, é mistério. Impossível definir, num labirinto de sutilezas. Quem descobrir seu objeto de desejo terá o dom da criatividade infinita, cristalina, leve como pluma, forte como um beijo de amor.

Os que não a entendem podem achá-la cruel, fria, monstruosa. Injustiça de amargurados medíocres.

É verdade que aquele longo vestido branco esvoaçante não ajuda a dar uma aparência mais acessível...

Aquele visual grego de perfeição e superioridade, cabelos presos num coque irrepreensível, ornamentado com uma tiara de diamantes, os lábios rosados e frescos de pêssego, as faces coradas... Inatingível sob todos os aspectos.

Se a musa fosse uma velhinha levemente corcunda, simpática em seu vestido de chita e sua blusa de lã, a nos encarar com delicadeza sobre seus óculos redondos...

- Aceita um bolinho, meu filho? Você está tão magrinho de ideias! - diria vovó musa, com sorriso meigo e olhos envidraçados. E o docinho seria a mais deliciosa inspiração!

Também poderia ser uma menina em idade escolar, com tranças nos cabelinhos dourados e sardas nas bochechas.

-Vamos brincar, tio poeta! Você pode ficar com minha boneca preferida! ... E a boneca seria a inspiração mais sublime, submissa como uma marionete obediente. E a musa correria, pularia, sempre disposta a brincar com o poeta sem se fazer de difícil.

Mas não!

O que temos é a bela mulher de uns 20 anos, aparentando milhares de anos no olhar profundo, com mistérios de esfinge vendidos a peso de ouro, sedutora e relutante, esguia e luminescente, inexpugnável, oculta na própria luz.

Pensando bem, se assim não fosse, seus presentes teriam tanto valor? E até que ponto são presentes? Não seriam prêmios conquistados pelo mérito? Frutos colhidos do esforço?

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