Alucinando

 

Pintura de Marcos Correia




Água não tem gosto. Apesar dessa verdade objetiva, nada é mais doce para um sedento à beira da morte.

O ar é invisível. Mas não há como não enxergá-lo em todo seu poder, na forma de árvores envergadas pelo tufão ou de rajadas de chuva numa tempestade de vento.

A realidade vai além das coisas; também é composta pela forma como percebemos as coisas. Nossos sentidos, nossa leitura do mundo.

O silêncio pode ser o mais agudo ruído para quem não tem paz. A solidão, uma das experiências mais barulhentas e aglutinadoras de companhias inesperadas.

Contradições.

Percepções que deformam, modificam, moldam os objetos observados. Ampliam ou reduzem. Impressões que perdem toda objetividade, independentemente dos estímulos que as provocam. Calor, frio, dor, prazer... Tudo dentro da mente, em estrita latência, esperando apenas os sinais dos neurônios ativarem reações voluntárias ou não.

Somos como caixas de emoções que se abrem com milhões de chaves diferentes, ao mínimo toque, sem segredos. E, ainda assim, portadores de mistérios insondáveis.


E o que resta de real, quando questionamos até o que vemos, ouvimos, degustamos? Quando manipulamos os sentidos com auxílio químico alucinógeno, como dados num tabuleiro ou búzios numa mesa, tentando antecipar o número que ficará para cima, a previsão que surgirá do alinhamento das peças sobre o pano, quando brincamos com a sorte... Ao fazer tudo isso traçamos o próprio futuro ou apenas caminhamos em trilhos predeterminados? Somos marionetes com os cordões comandados pelo destino? Ou capazes de aprender, evoluir, avançar e mudar? Só a segunda hipótese dá alguma esperança.


Comentários

Postagens mais visitadas