Dinheiro para quê?

"Feira Noturna", de Marcos Correia

Imagine que, um belo dia, o conceito de dinheiro desaparecesse da face da Terra.

As relações comerciais voltariam imediatamente ao antigo sistema de trocas: uma banana valeria uma maçã; duas cabras seriam equivalentes a um bezerro ou vinte galinhas poedeiras; para ser rico, seria necessário ter pelo menos quinhentas vacas leiteiras.

Quem não tivesse nada disso para oferecer  teria que trocar a própria força de trabalho por comida ou moradia.

Um bom médico teria um suprimento vitalício de pimentões garantido, e nada lhe faltaria em termos de alimentação e conforto; um engenheiro trocaria uma ponte por uma manada de búfalos, e um jornalista ... Bem, um jornalista escreveria em troca do almoço ou do jantar. Se fosse bastante lido, conseguiria a sobremesa e o cafezinho. Claro que, em época de conflitos, ameaças à democracia ou tragédias de qualquer tipo, a cotação do texto jornalístico dispararia para dois bois de corte por lauda de vinte linhas, ou dez alqueires de terras produtivas por reportagem investigativa. Um "Watergate" valeria uma mansão e dois iates, além de arroz e feijão por duzentos anos, terras, iguarias das mais requintadas e tranquilidade para o autor e sua família, por toda vida. O problema é que Carl Bernstein e Bob Woodward teriam que mudar de profissão para administrar os pagamentos que receberiam. Sim, o trabalho jornalístico salta de valor quando há uma crise. Talvez venha daí o apelido pejorativo de "urubus"... Mas é fato que esse povo das letras costuma sentir o cheiro da carniça muito antes dos demais seres humanos.

Num mundo sem dinheiro as contas bancárias perderiam a razão de ser. Aquele saldo negativo no seu extrato se tornaria um amontoado de números sem nenhum sentido. Adeus, dívidas. Barras de ouro seriam tão valiosas quanto tijolos. Diamantes, pérolas, essas coisas brilhantes que tanto prezamos, seriam apenas pedras e bolinhas de gude.

Hoje vivemos a era das criptomoedas e do Pix; notas de dinheiro parecem cada vez mais obsoletas: papel pintado. Da mesma forma que conchinhas do mar, que já foram tão valiosas na história da economia, nada sustenta o valor das notas de dólares ou euros, a não ser a combinação tácita entre todos os humanos de que elas valem alguma coisa. É como uma crença. Uma religião, segundo Yuval Harari, em "Sapiens". E quando a "fé" fraqueja, as Bolsas quebram. Quando o "mercado" treme, as Nações perdem o equilíbrio. Os pilares da economia moderna são tão frágeis quanto um ídolo com pés de barro.

Um mundo sem dinheiro teria o mérito de fazer pensar sobre o que realmente tem valor neste planeta. São coisas que não se pode comprar.








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