Segredo

O sol da manhã lambia o asfalto com seu brilho esbranquiçado quando o grupo de jornalistas chegou à pequena vila.
- É aqui mesmo? - perguntou um fotógrafo.
- Foi o que ele disse ter ouvido, respondeu um repórter apontando para o cinegrafista que já ia à frente.
- Tenho certeza que ouvi direito, disse o outro, ajeitando a câmera no ombro.
A entrada da vila estava vazia, moradores provavelmente trabalhando nos vinhedos ou protegidos do calor dentro das casas. Só uns meninos jogando bola notaram a estranha caravana.
Todos aqueles profissionais de imprensa se faziam a mesma pergunta: o que Thomaz Girardi estaria querendo naquele fim de mundo?
O jornalista mais famoso da Fórmula Um, metido numa roça de vinhedos? Quando Thomaz falou ao telefone que iria passar dois dias fora de Milão "para apurar uma história", bem na semana do GP da Itália, chamou a atenção do cinegrafista da CNN que tomava café na mesa ao lado.
A notícia se espalhou como formigas no açúcar. Logo toda a imprensa especializada ficou obcecada em descobrir qual seria o "furo" do colega.
A viagem durou mais de cinco horas. O lugar é bucólico e acolhedor como toda Toscana, mas para aqueles homens acostumados com multidões e roncos de motores, é torturantemente remoto.
- Que fim de mundo! - reclamou um rapaz com o notebook a tiracolo.
- Mas como vamos achar o Thomaz por aqui? Alguma pista?
O cinegrafista espião deu de ombros, na dúvida. 
O grupo olhou em redor. Aquele vazio pareceu muito, muito grande de repente.
_.o.0.o._

Num quarto mal iluminado de uma velha pensão abandonada, uma espécie de mini-UTI funciona ininterruptamente. 
Respirador, tubos de transfusão de sangue, ressuscitador.
Ligado aos aparelhos, um menino respira por uma máscara e tem os braços perfurados por tubos com agulhas nas pontas. A cabeça desproporcional se destaca do corpo mirrado, a pele esverdeada.
À cabeçeira da cama um homem espera, com olhar desolado. É Thomaz Girardi. 
A tal "história" que ele iria apurar nunca existiu. Foi uma desculpa para abandonar o circo da F1 às vésperas do Grande Prêmio de Monza. Comprometeu sua credibilidade e seu trabalho para estar ali com aquela criatura deformada.
O filho que ele nunca reconheceu. A criança a quem proporcionou todo o necessário, menos afeto. 
Quando recebeu o recado de que aquela vida frágil estava próxima do fim, sentiu uma urgência. Uma ânsia. Como se fosse preciso recuperar o tempo perdido.
Thomaz pega a mão flácida do filho. Não tem certeza se o menino consegue sentir o toque. O único som é o do respirador intermitente. 
Thomaz espera, apenas.
(Pinturas de Marcos Correia)

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