O Paraíso são os outros...

 



Quando Sartre disse que "o inferno são os outros", devia estar de mau humor.

É certo que muitas vezes a convivência se mostra uma prova aparentemente insuportável. Quanto mais próximo o indivíduo, mais difícil lidar com suas manias e trejeitos. A proximidade torna mais incômodas as vontades - e verdades - do outro. 

Já quem está longe tem menos chance de irritar. Claro que existem excessões, principalmente nessa nossa era de redes sociais, comunicações instantâneas e teleconferências. A chatice venceu distâncias e está bem ao nosso lado, mais que em qualquer outro momento da história.

Dito isto, e apesar dessas verdades, o fato é que o "outro" é indispensável. A convivência com nossos semelhantes é preponderante para nossa saúde mental. Sem ninguém por perto logo conversaríamos com as paredes. 

Se duvida, tente imaginar o velho Sartre, com seus olhos tortos, esbravejando que "o inferno são os outros"; Simone de Beauvoir, com quem viveu por mais de meio século, sairia da vida dele, achando que aquilo foi uma indireta pra ela; Sartre, então, atravessaria um penhasco e destruiria a ponte atrás de si,  isolando-se completamente; se trancaria numa cabana, no alto da montanha, bem longe do resto da humanidade. 

Sem telefone, sem e-mail, sem fax, telex ou sinal de fumaça. Totalmente impossibilitado de comunicar suas ideias a outro ser humano. Sem rádio ou TV. Impedido de ouvir a voz, olhar o rosto ou sentir o cheiro de outra pessoa. Só, totalmente só, na mais profunda definição de solidão. 

No começo certamente ele gostaria da experiência. Tempo livre todo para ele, para escrever seus livros, ler o que quisesse, fazer o que achasse por bem na hora em que desejasse, sem ter que dar satisfação a ninguém. A primeira sensação seria de uma liberdade arrebatadora. 

Mas logo viriam as perguntas: por que fazer o que quer que seja, se não há ninguém para ver? Qual o sentido de registrar ideias, se não serão jamais compartilhadas? Desperdício de papel e tinta! 

Que saudade daquele bolo de chocolate da padaria da esquina. Que vontade de tomar um drinque num café dos Champs Élyisées na companhia de alguém inteligente. Que vontade de ouvir qualquer som humano que não seja a própria voz. Qualquer som diferente dos trinados dos pássaros e do farfalhar das folhas sacudidas pelo vento. 

Não consigo imaginar em quanto tempo nosso amigo filósofo se tornaria um lunático. Mas acredito que não demoraria muito.

Quem está preso acha que recebeu o pior dos castigos, até que apronta alguma e vai para a solitária. Ali sim, o castigo é muito pior - pela ausência de outras pessoas. 

Fomos criados para viver em comunidade. Está no nosso código genético. Dominamos o planeta porque aprendemos a cooperar uns com os outros de forma mais eficiente que qualquer outro animal. Apenas por isso. 

Uma temporada suficientemente longa sem ninguém por perto pode fazer até a companhia do maior chato do universo prazerosa e desejável. 

Pensando bem, todo mundo é o chato de alguém. Não dá pra agradar todo mundo.

(P.S. - estudiosos dizem que Sartre não deve ser interpretado de forma literal nesta sua frase mais famosa. Na verdade, o filósofo afirma que precisamos dos outros para nos conhecermos e descobrirmos nossos defeitos. O que, convenhamos, não é nada agradável.)

  



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