Eu peço água

O ano é 3009. Contrariando todas as expectativas, a raça humana ainda não destruiu completamente o planeta. Mas sobrevive miseravelmente, condenada a uma eterna escassez de recursos naturais.
Numa escola, as crianças ouvem horrorizadas a lição de História da Humanidade. Não podem acreditar que tudo que o professor conta realmente tenha acontecido num passado muito, muito remoto.
_ Aproximadamente mil anos atrás _ conta o mestre _ nós éramos extremamente egoístas. Não pensávamos no futuro. Consumíamos como loucos, cada vez mais. O que não consumíamos, destruíamos com nossos sistemas de produção irracionais e poluentes. Vejam a questão da água, por exemplo. Hoje, ela é vendida na bolsa de valores, tornou-se a commodity mais valiosa do planeta. É mais cara que o ouro, o petróleo, o boi gordo, o café. Pois naquela época, a água era usada para dar descarga em vasos sanitários.
_ Oh! _ exclamou a classe em uníssono.
_ E não é só isso _ prosseguiu o professor. _ Imaginem que todo o esgoto das casas era jogado nos rios. Grande parte sem qualquer tratamento. As redes de abastecimento das cidades eram cheias de vazamentos. Isso mesmo, era comum ver água esguichando no meio da rua ou formando poças nas sarjetas. Dentro das casas, a situação não era melhor. Torneiras pingavam. Ficavam pingando horas a fio, sem que ninguém se importasse. Havia gente da idade de vocês que escovava os dentes com a torneira aberta, jorrando.
_ Oh! _ gritaram os alunos, estarrecidos.
_ Mas, professor, ninguém pensou que a água poderia simplesmente acabar? _ perguntou Juquinha.
_ Aí é que está o maior absurdo _ respondeu. _ Muitos falaram, alertaram, mas não foram ouvidos. Eram chamados de “ecochatos”, contrários ao progresso, fatalistas…
_ Oh!
Terminada a aula, Mariazinha se aproxima do professor com cara de pedinte.
_ Professor, será que eu posso tomar um copo de água?
_ Desculpe, Mariazinha, mas você sabe muito bem que já tomou a sua cota por hoje.
_ Mas, professor, só 350 ml por dia é muito pouco.
_ Espere até sábado. Nos finais de semana a ração sobe para 416,5 ml por pessoa.
Mariazinha sai da escola rezando para chover. Assim ela poderá ficar parada no meio da rua, com a boca aberta, para beber um pouco mais.
(Inspirado no Jornal Regional / 30 anos -  Texto de junho de 2009, tristemente atual com a secura de nossos dias… imagem: "Os Guarda_chuvas" de Renoir)

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