Reputação




A ESPOSA

     Ela se arrepiou como se tivesse tomado uma brisa gelada em plenas costas. Sentiu o braço forte que apertava sua cintura, a mão em sua bunda apertando com força e subindo numa carícia cheia de tesão. Sua boca estava na dele. As línguas se chocavam com fome. Os lábios se esfregavam com gana. Ela sentiu o volume crescendo entre as pernas dele, encostado contra sua barriga. Como ele é alto! Como é grande! Foram entrando pela sala deserta da fábrica abandonada até perto da esquecida mesa de trabalho, empoeirada e suja. Quando estavam perto, ele a virou de costas. Ela apoiou as duas mãos sobre a mesa para não cair. Ele afastou os cabelos da nuca e passou a língua sobre os fios arrepiados no pescoço dela. Depois beijou ali, com volúpia. Ele sabia que aquela carícia a desmontava. Sentiu o fraquejar das pernas dela. Apertou sua cintura num abraço por trás, esfregou o pau contra as nádegas redondas e bonitas. Ela sabia o quanto ele adorava sua bunda, e empinou-se toda, oferecendo-se, rebolando, esfregando-se no sexo dele. Ele abriu a blusa dela - os botões ficavam nas costas - e foi descendo com a língua até o sutiã. Abriu o fecho e beijou ali também, no meio das costas muito brancas, muito quentes. Ela gemeu baixinho. Ele a virou de frente para si, e a beijou de novo na boca. Um beijo longo e faminto. Ela correspondeu, arfante. Achou que ia desmaiar, de falta de ar e de desejo. Fechou os olhos e esqueceu que existia algo fora da velha sala em que estavam. Tiraram logo o resto das roupas, apressados. Foram trôpegos até o colchão colocado no canto da sala, especialmente para aqueles encontros clandestinos. Ela caiu sobre o colchão, já com as pernas abertas. Ele se jogou sobre ela, sugou-lhe longamente os seios, desceu até o umbigo e alcançou a buceta. Afastou os lábios carnudos e quentes, para expor o clitóris. Brincou com ele, língua travessa, atrevida. Ela gozou quase que imediatamente. Um gozo farto. Ele recebeu tudo aquilo na boca como uma dádiva. Depois foi ela quem colocou o sexo dele na boca. Primeiro beijou e lambeu a cabeça do pau, com calma e dedicação. Depois enfiou o pau todo na boca e começou um vai-vem lento, enquanto apertava a bunda dura dele com as mãos. Era uma tortura e um prazer. Ele teve que se conter muito para não gozar logo. Afastou-se contrariado da boca da mulher e meteu de uma vez. Ela gozou de novo. Ele começou a bombar com força crescente. Ela o agarrou com as pernas cruzadas sobre suas costas e os braços em torno de seu pescoço. Ele puxou os cabelos dela e enfiou a língua em sua boca enquanto metia mais e mais. Ela gozou pela terceira vez. Só então ele também gozou, satisfeito. Continuaram se beijando enquanto o pau dele endurecia de novo. Ela se deitou de costas e ele a comeu por trás. Ela gritava de prazer. Teve um pequeno desmaio enquanto ele gozava em sua vagina. 
     Depois que ele saiu da velha fábrica abandonada, ela permaneceu alguns momentos deitada acariciando a aliança no anelar da mão esquerda. Só então pensou no marido. Onde estaria àquela hora? Trabalhando, certamente... ou com alguma amante. Mas ela duvidava dessa hipótese. De qualquer forma, o fato de ser casada, e de ter feito algo "proibido", "condenável socialmente", só lhe aumentava o prazer. Ela era assim, isso era parte dela. 
     Erika pegou o celular. Selecionou o contato do amigo e confidente. 
     - Jo, sou eu, Erika. Cara! Hoje ele estava terrível. Fazia tempo que não me comia desse jeito. 
     - Você é louca, Kaka. Se teu marido descobre essas escapadelas...
     - Hoje não foi só uma escapadela não! Que foda! Ainda estou sentido o gozo - comprimiu as coxas grossas e levou a mão à vagina, que se contraiu na carícia - Agora é só esperar. Daqui a pouco chega o outro...Espera, estou ouvindo um carro no cascalho do lado de fora. Deve ser ele. Depois te conto como foi. Beijos.
     Erika ficou ouvindo os passos na escada que levava até onde ela estava, nua, quente. Viu o vulto grande e másculo se desenhar contra o batente da porta. Aquele homem sedutor, inteligente - sim, inteligência é afrodisíaca - misterioso. Que tem lá suas manias - só falava com ela pessoalmente e quando ela insistia muito; nada de mensagens ou telefonemas - mas isso também era afrodisíaco. 
     - Vem logo, me fode com vontade! - pediu. 
     
O MARIDO

     Sávio Laranjeira é um respeitável empresário do ramo de demolição. Desde que descobriu que era mais fácil destruir do que construir, nunca mais parou de ganhar dinheiro. Apesar da rotina de dez horas de trabalho por dia, encontrou tempo em sua vida para o amor. Tempo preenchido com todas as possibilidades por uma pessoa: Erika. 
     A moça chamou a atenção dele pelo jeito faceiro, os olhos grandes de uma cor entre o amarelo e o verde, indefiníveis e misteriosos. Tinha, sim, um corpo lindo, mas sempre foram os olhos que mais lhe seduziram. Convidou-a para um drinque, ela topou, conversaram e logo foram para a cama. Sávio ficou impressionado com a volúpia da moça. Dez anos mais nova que ele, gostosa, cheia de vida. Apaixonou-se perdidamente. Afinal, era um homem reservado, de vida pessoal franciscana, quase um monge. Para ele, alguém como Erika era um oásis de prazer no meio do deserto. Ficou simplesmente fascinado. Não se preocupou com a posição social diferente. Erika era de família pobre, mas espírito vigoroso. Tinha conseguido terminar a faculdade a duras penas, pelo que lhe disse. Trabalhava oito horas por dia e depois assistia 4 horas de aulas de administração de empresas, sem reclamar. Corajosa. Muita virtude para alguém tão bonita. 
     Propôs casamento. Ela aceitou imediatamente. Não passou pela cabeça de Sávio que tamanha sorte tivesse algo a ver com dinheiro. Completavam-se, seriam felizes. Estava escrito. 
     A opinião do esposo sobre a companheira dificilmente poderia ser mais positiva. Considerava a esposa um exemplo de virtude. Sempre presente, sempre disposta a agradar, fiel e companheira. Um tesouro, uma ponte para a felicidade. 
     Seguiram-se cinco anos de uma relação que, no entendimento de Sávio, era perfeita. Claro que pequenas desavenças existiam. Mas que casal poderia dizer o contrário? Ela gostava de se divertir, festas, boates, etc. Ele se esforçava por acompanhá-la. Às vezes, cansado, resolvia ficar em casa, mas não se importava que ela saísse com os amigos... mesmo aquele almofadinha, o Jonas. Também, tinha certeza que não adiantaria tentar impedir. A personalidade forte da esposa se rebelaria contra isso. O que havia demais? Ela que se divertisse! Tinha plena confiança na esposa. Só não confiava em Jonas, achava que ele tinha uma paixão por Erika. Não correspondida, é lógico, mas forte. 
     Agora, aquele castelo de vida feliz mostrava os alicerces de areia. Desmoronava como uma pilha de cartas. Sávio olhou para os dois policiais à sua frente, rostos inexpressivos, insondáveis. Tinha dificuldade para entender o que eles perguntavam... não conseguia parar de pensar na esposa. Morta, meu Deus! Como é possível? Assassinada!
     - Doutor Sávio , por acaso a senhora Erika deixou o celular em casa ontem à noite? - perguntou um dos policiais. 
     - Não sei, posso verificar... Por que?
     - Não o encontramos no local do... bem... com ela. 
     Uma pausa tensa e sufocante ocupou a sala como água num tanque.
     - Doutor Sávio, precisamos perguntar... não se ofenda. O senhor sabe se sua esposa tinha algum... como posso dizer, alguma aventura fora do casamento?
     Sávio se ofendeu com a pergunta. 
     - Você não conhecia a Erika! 
     - Peço perdão, mas é preciso falar sobre isso. Ela foi encontrada num lugar estranho, nua, com sinais de relação sexual. A perícia será necessária para verificar se houve... bem... estupro. O fato é que... alguém esteve lá com ela. 
     Sávio não conseguia assimilar as perguntas... Aquilo tudo era um pesadelo, um pesadelo infernal. 
     - Doutor Sávio, por favor, é importante que o senhor tente se concentrar. Sabe se sua esposa tinha algum amigo mais íntimo?
     No meio das trevas que cercavam sua mente, um raio de luz se formou. Sim, ele sabia de uma pessoa.
     - Jonas - disse, secamente. 

O AMIGO

     O despertador do celular tocou insistentemente. Jonas tateou pela mesa de cabeceira. Derrubou o celular. Praguejou. Pegou o aparelho e desligou o despertador. Olhos embaçados, verificou as mensagens de whatsapp. Nenhuma de Erika. Ele caiu no sono na véspera, esperando o prometido relato da aventura sexual da amiga. "Ela deve ter perdido a hora, o rumo, as estribeiras... Típico da Kaka", pensou, com um sorriso. Foi até o banheiro. Olhou-se no espelho, mostrou os dentes num sorriso forçado, urinou. Ligou o chuveiro e se ofereceu à água quente que caiu sobre sua cabeça. Três minutos depois já estava se enxugando. Vestiu as calças sociais, a camisa de linho, o blaser, as meias. Calçou os sapatos envernizados. "Preto dessa vez", decidiu. Chamou um Uber e desceu pelo elevador. Estava a caminho do trabalho quando recebeu uma ligação. Achou que fosse Erika querendo contar sobre sua fantasia da véspera, mas se enganou. Era Rubens. Colega de baladas. Cara legal, mas meio superficial demais para o gosto de Jonas. "Estranho ele me ligar a essa hora", pensou. 
     - Oi Rubens, caiu da cama?
     - Jo, você não sabe o que aconteceu - o tom de voz do rapaz deixou claro que o assunto era grave e urgente - A Erika, Jo. Ela...
     - O que tem ela, Rubens?
     O outro ficou um segundo calado. Jonas ouviu o suspiro, a respiração pesada, acompanhada do que pareceu ser um engasgo, como se Rubens tivesse água na garganta.
     - Fala logo, cara! 
     O motorista de Uber olhou pelo retrovisor.
     - Ela... ela tá morta, cara. 
     Jonas sentiu como se tivesse levado um golpe de karatê na garganta. Ficou sem ar por um segundo. O estômago começou a doer, as mãos formigaram... Ele não acreditava no que tinha ouvido.Não conseguiu responder. Derrubou o celular e levou as mãos ao rosto.
     - Está tudo bem? - quis saber o motorista. Não obteve resposta. 
     - Quer ir para um hospital? - insistiu, ao ver que o passageiro estava branco como mármore.
     - Não... não, obrigado - Jonas pediu para que ele fosse a outro endereço: a casa de Erika. 

     Encontrou a casa cercada de carros estacionados, entre eles uma viatura da polícia civil. Dentro da sala, viu Sávio, o marido de Erika, com grossas olheiras sob os olhos vermelhos. Parecia ter chorado muito. Permanecia de braços cruzados e cabeça levemente abaixada, ouvindo um grupo de três pessoas que o cercavam, com palavras de consolo e apoio. Sávio ergueu um pouco a cabeça mas permaneceu parado, aparentemente alheio a tudo o mais. Olhava sem ver, escutava sem ouvir. Jonas preferiu se manter afastado. Os dois nunca se deram bem. Sávio desconfiava que Jonas tivesse interesse sexual em sua mulher - como, de resto, todos os homens provavelmente tinham. Sávio não imaginava que a preferência sexual dele fosse outra. Jonas sempre zelou por sua intimidade, mantendo a própria homossexualidade como um segredo inconfessável... apenas uma pessoa sabia de sua condição... e essa pessoa agora estava morta, o que aumentava ainda mais o sentimento de solidão que invadiu Jonas assim que teve a notícia. 
     Quando finalmente se deu conta da presença de Jonas, Sávio ignorou os amigos em sua volta e foi até ele com passos firmes. 
     - Você sabe de alguma coisa, Jonas? Sabe o que Erika estava fazendo naquela fábrica abandonada àquela hora da noite? - ele segurou o braço de Jonas com força, como quem se agarrava a uma resposta, uma esperança, um fiapo de lucidez.
     - Eu... não sei de nada, Sávio. Meus pês...
     - Você era amigo dela, Jonas. Não sabe de nada? Vocês viviam conversando. Não sabe de nada? Fala a verdade. Me responde, o que aconteceu? Por quê a minha Erika tá morta? Responde, desgraçado!
     Sávio perdeu o controle, agarrou Jonas pelo colarinho e ameaçava esganá-lo ali mesmo, quando foi contido por dois homens que Jonas não conhecia, mas que deviam ser policiais. Ele resolveu sair dali rapidamente. Foi para o jardim na frente da casa. Precisava de ar, precisava chorar. Sentiu as lágrimas represadas e o amargo na boca. Como aquilo foi acontecer? Por quê? Quem desejaria o mal para sua amiga? O pior de tudo é que Sávio tinha razão. Ele sabia as respostas... só podia ser... sim, ela contou o que pretendia fazer. Ela disse com quem queria fazer...Tanto o primeiro amante daquela noite como o segundo... disse os nomes, descreveu as intenções.
      
     Ele sabia de tudo.

     Assustou-se com um toque repentino no ombro. Não conseguiu conter um grito de pavor. Olhou para trás e viu Rubens, com olhos arregalados e barba por fazer. 
     - Calma, Jo, sou eu. Que tragédia, meu amigo! A Erika! Tão cheia de vida, tão bonita!
     Jonas não conseguiu responder. Olhou em direção à porta de entrada e notou os dois homens que tinham contido Sávio minutos antes. Eles acenderam cigarros, como se tivessem combinado a coreografia. Jonas parou de ouvir o que Rubens dizia e fixou o olhar na dupla, assustado. Polícia, meu Deus. Vai haver uma investigação. Talvez até ele seja chamado a depor. E o que vai fazer? Ele sabe da devoção que Sávio tinha pela esposa. Até se divertia com a falta de visão do empresário a respeito da mulher. Sentia-se um pouco recompensado pelas traições da amiga, relatadas a ele com todos os detalhes... Uma espécie de consolo sempre que o marido o tratava com frieza e desprezo. "Nem sabe que é corno, o imbecil". Mas agora tudo estava acabado. Erika estava morta. Que merda! Em que merda isso tudo iria acabar?

     O sol da manhã estava frio como num quadro impressionista. Nuvens se formavam aqui e ali, manchando o azul do céu. As horas avançavam lentas, preguiçosas e tristonhas. Jonas não tinha mais nada a fazer naquela casa. Esperava o Uber chegar para levá-lo ao trabalho, onde teria que explicar o atraso. Incrível como a rotina sufocava, mesmo diante de uma tragédia. A vida prosseguia, constatou amargamente. Menos para Erika. 
     Estava na calçada quando notou a aproximação dos dois policiais. Olhou fixamente para a frente, evitando fitar os investigadores. Começou a sentir as mãos úmidas de um suor frio. Esperou, como uma mosca presa numa teia com a certeza da proximidade da aranha.
     - Senhor Jonas?
     - Sim - respondeu, rápido demais, alto demais, nervosamente demais, merda. 
     - Gostaríamos de falar com o senhor a respeito da vítima, Erika Laranjeiras. 
     - Não sei de nada sobre o que houve - respondeu, novamente rápido demais.
     - Não estamos dizendo que saiba, mas qualquer informação pode ser útil neste momento da investigação. O senhor poderia nos acompanhar até a casa por alguns minutos?
     - Pra dizer a verdade estou esperando condução pro trabalho. Já estou atrasado. 
     - Entendo, mas é muito importante. Certamente o senhor, como amigo da vítima, gostaria de colaborar, não é? Se preferir, podemos ligar para o seu trabalho e explicar a situação...
     - Não - quase gritou - não, não é necessário. Vamos lá. Depois eu aviso o que houve. 
     Entraram na casa. Instalaram-se na sala menor. Os três se sentaram nos confortáveis sofás, os policiais sacaram os bloquinhos de notas e as canetas. 
     - Como o senhor ficou sabendo do ocorrido? - perguntou o magro de bigode pontudo.
     - Um amigo em comum, o Rubens. Ele me ligou e avisou.
     - Onde o senhor estava ontem à noite? 
     - Em casa. 
     - Sozinho?
     - Sim.
     O outro policial, corpulento e careca, tomava notas e olhava atentamente para Jonas.
     - Tem alguém que possa corroborar essa informação?
     Só então Jonas percebeu. Não tinha um álibi. Poderia se tornar suspeito. 
     - Moro sozinho. Não, não tenho ninguém que possa confirmar isso.
    O policial magro murmurou algo que Jonas não entendeu. O policial corpulento atacou:
     - Como era sua relação com a vítima?
     - Éramos amigos.
     - Íntimos?
     - O que o senhor quer dizer com "íntimos"? 
     - Ora, confidentes, próximos... talvez até fisicamente ligados?
     - Isso é um absurdo. Éramos apenas amigos!
     - Calma, senhor Jonas - foi a vez do magro voltar à carga - o senhor não é suspeito de nada... ainda. Temos que fazer essas perguntas, é parte do nosso trabalho. Entende?
     - Sim, eu... eu entendo... estou nervoso, os senhores podem imaginar. 
     - Claro. Descreva sua amizade com a vítima. 
     - Conversávamos muito... saíamos algumas vezes para festas e baladas... em algumas Sávio nos acompanhava, sabe, o marido. Em outras, não. 
     - O senhor sabe se a vítima tinha outros amigos? Do sexo masculino? 
     - Claro que tinha!
     - Sim, claro, vou ser mais específico: o senhor sabe se ela tinha um amante?
     "Pronto, aí está! A pergunta certa!", pensou Jonas. A resposta era difícil. Sabia que a verdade destruiria o coração de Sávio. Não que ele se importasse muito com o empresário, não eram amigos nem nada... mas se preocupava com a reputação da amiga. Morta, não havia o que fazer sobre isso. Mas desmoralizada? Seria demais. Ao mesmo tempo, mentir para a polícia seria perigoso. Ele poderia ser incriminado por isso, mais tarde. 
     - O senhor entendeu a pergunta, senhor Jonas?
     - Sim, entendi, sim senhor. E não entendo onde os senhores querem chegar desrespeitando assim a memória de uma mulher que acabou de morrer!
     - É uma informação relevante, posso garantir - foi o gordo quem assumiu o comando de novo - a senhora Erika foi encontrada num local estranho, nua, com sinais de conjunção carnal recente. Ainda não sabemos o bastante para afirmar que ela foi estuprada. Obviamente, quem estava com ela é suspeito da morte. Ela foi estrangulada, provavelmente o assassino usou as próprias mãos. Enluvadas - não achamos digitais. Os peritos estão trabalhando, mas ao que tudo indica ela morreu no local onde o corpo foi encontrado. Isso significa que ela foi até lá de vontade própria para um encontro amoroso, o que facilita as coisas para o assassino , ou foi arrastada até o local contra a vontade, o que é bem mais complicado para um criminoso fazer. 
     Jonas sentiu o suor molhar as costas da camisa. Percebeu, contrariado, que esfregava nervosamente as mãos, e que esse gesto era observado tranquilamente pelo policial magro.
     - Vejam - disse finalmente - o marido idolatrava a Kaka. Para ele, era Deus no céu e ela na terra. Seria muita crueldade desfazer isso...
     - Não revelaremos nada que não seja absolutamente necessário - disse o corpulento careca.
     - ... eu não sei de nada com muitos detalhes. Apenas que ela gostava muito de sexo. Muito mesmo. Era uma pessoa normal! As pessoas gostam de transar!
     - Senhor Jonas, sinto que não está dizendo tudo. Tenho que informá-lo de que mentir para a polícia, ou omitir informações importantes, é um delito grave. Então vou repetir a pergunta: a vítima tinha um amante?
     O beco estava sem saída. Era hora de fazer uma escolha. Ele se lembrou da amiga, lembrou-se de tudo o que sabia. Decidiu afinal.
     - Não que eu saiba. 
     Os policiais olharam para ele com visível incredulidade. 
     - Parece que o marido da vítima não acredita nisso, a julgar pela forma como ele o tratou mais cedo...
     - Já disse tudo que eu sabia. 
     - Tudo bem, senhor Jonas. Pode ir agora. Mas por favor, fique na cidade. Pode ser que tenhamos que conversar de novo.
     O arrependimento por ter mentido já tomava conta da mente de Jonas. Mas era tarde demais. Ele se levantou apressado, foi até a porta. O Uber esperava na calçada. Embarcou e saiu dali. Sabia que cedo ou tarde a polícia encontraria novas pistas. Era o tempo do exame necroscópico identificar provas importantes. Questão de poucos dias, talvez menos.
     A caminho do trabalho, imaginou o que aconteceria quando confirmassem que Erika não tinha sido estuprada. 

O AMANTE

     O restaurante estava lotado naquele dia. Sergio trabalhava valentemente. Muitas mesas para servir, muitas gorjetas para embolsar, muitas clientes sexualmente insatisfeitas para flertar. O sexo casual era quase tão bom naquele emprego como o dinheiro das gorjetas. Ele sabia do poder de sedução que exercia sobre o sexo oposto. Rosto simétrico, queixo quadrado, lábios grossos, olhos claros. Corpo moldado em muitas horas de academia, destacado pela altura acima da média. Uma beleza envolvente, ampliada por um certo jeito safado de se mover e de olhar para as mulheres. Elas não resistiam, e ele sempre foi muito fácil.
     Enquanto corria de uma mesa à outra no restaurante cheio, O garçom não tinha tempo para remoer a tragédia ocorrida uma semana antes. 
     Erika. 
     Eles tinham transado como loucos naquela noite. A mulher era um furacão. Uma das mais fogosas que ele jamais conheceu. Quase não acreditou quando viu o noticiário na noite seguinte dando conta da morte violenta da mulher. No lugar onde transaram. Isso ia dar merda. Será que ele devia procurar a polícia? Já tinha ouvido falar que os canas tinham meios de descobrir suspeitos só com pelos do corpo, mancha de sangue, sêmen... e sem dúvida ele tinha deixado aquele lugar cheio de "evidências"... mas não. Talvez não achassem nada. Quem sabe? Ele não entendia muito essas coisas. Melhor ficar na dele. 
    Sergio ainda estava pensando nisso quando dois homens de paletós amarrotados, lembrando um pouco o gordo e o magro - exceto pelo fato do magro ser mais alto que o gordo - se aproximaram mostrando distintivos. 
     - Sérgio Ramos?
     - Sim.
     - O senhor vem com a gente pra delegacia.
     - O que aconteceu? - perguntou inocentemente. 
     - Vamos conversar lá no DP. 
     Os três saíram sob os olhares confusos e curiosos de clientes, garçons e do dono do restaurante. 

     Na delegacia Sergio foi deixado de molho numa sala clássica de filme policial. Grande, vazia, com uma mesa e duas cadeiras, um espelho grande numa das paredes. Parecia um episódio de NCIS. 
     Uma hora depois de ser jogado ali, a porta se abriu. O policial magro de bigode pontudo entrou e jogou uma pasta sobre a mesa. 
     - Senhor Sérgio, o senhor está enrolado.
     Sérgio arregalou os olhos, assustado.
     - O que foi que eu fiz?
     - O senhor sabe o que fez, não sabe? Matou Erika Laranjeiras, aquela morena gostosa esposa de um figurão.
     - Eu não matei ninguém não! - exclamou o garçom.
     - Melhor não negar, meu caro. Temos provas suficientes pra uns trinta anos de cana. Agora vou te explicar a situação. Você é o nosso homem. Então pode pedir um advogado. Ou pode simplificar a minha vida e confessar logo de uma vez. 
     Sergio não tinha dinheiro para um advogado. 
     - Vamos te arranjar um defensor público. 
     O homem saiu da sala levando a pasta com o relatório da investigação.

     Quatro horas mais tarde, o defensor conversava com os dois policiais e o delegado do distrito. Sergio estava presente, já devidamente algemado.
     - Vou explicar para os senhores o que aconteceu, detetives. O meu cliente admite que teve sexo com a vítima, Erika Laranjeiras, na noite do crime. Mas nega veementemente que a matou. Diz que quando saiu daquela fábrica, depois de manter relações sexuais consentidas com a vítima, ela respirava e parecia muito satisfeita. 
     Os policiais fizeram expressões de descrença. 
     - Ele estava no local e no horário do crime, com a vítima. O sêmen encontrado no corpo dela tem o DNA dele, o que comprova a relação sexual. Não encontramos sinais de estupro, o que corrobora a declaração do seu cliente. Mas foi o último a ver Erika com vida, até prova em contrário. Isso faz dele um grande suspeito, e nos dá o suficiente para uma prisão preventiva. 
     - Meu cliente não pretende fugir.
     - Isso o senhor está dizendo. Pedimos a prisão. Agora é com o juiz. 
     Sergio foi levado para o xadrez do distrito e depois transferido para o Centro de Detenção Provisória. Chorava como uma criança, sem acreditar no que estava acontecendo. Na cadeia, ficou separado dos demais presos. Crimes sexuais não são bem vistos pela bandidagem. Ele conseguia ouvir os comentários dos outros detentos, rapidamente informados do motivo de sua prisão. Nunca sentiu tanto medo na vida. 
     Lembrou-se de quando conheceu Erika. Ela foi ao restaurante com o marido numa noite. Estava deslumbrante. Vestido decotado, fenda na coxa direita, gargantilha no pescoço, aneis brilhantes nos dedos. Irresistível. Sergio imediatamente notou que tinha chamado a atenção da mulher. Ela não era muito discreta, mas o marido parecia alheio ao flerte silencioso que logo se instalou entre os dois. Quando o marido foi ao banheiro, ela chamou Sergio para a mesa e entregou um guardanapo com um número de telefone. O garçom ficou excitado com tamanha ousadia. Mesmo sendo um conquistador de algum sucesso, nunca tinha encontrado uma mulher tão direta nas intenções. Ligou naquela mesma noite. Marcaram um encontro para a tarde seguinte. Transaram por horas. Começaram a se ver regularmente. O que ele apreciava era que Erika não falava quase nada. Apenas se entregava como uma puta, um animal selvagem. Ele recebia com prazer o que ela tinha a oferecer, e se esforçava para agradar. Não queria perder uma amante tão voluptuosa. Um dia ela disse que queria transar num lugar diferente que tinha encontrado. Foram pela primeira vez para a velha fábrica de tintas, abandonada nas margens do rio, periferia da cidade. O lugar era sujo, cheirava mal, mas isso parecia apenas aumentar o tesão de Erika. Naquela primeira vez na sala vazia, ela se ajoelhou ainda vestida, abriu o zíper da calça dele e chupou seu pau com uma perícia que não se encontrava em qualquer boca. Ela não tinha pressa, fazia questão de demonstrar que adorava cada segundo do que estava fazendo. No final, quando viu que ele ia gozar, pediu que fizesse na boca e nos seios dela. Ele achava que isso só acontecia em filmes pornográficos. Aproveitou muito a oportunidade.
     Se soubesse por um minuto o que aconteceria depois, nunca teria ligado para a mulher. Estava encrencado e sem perspectiva de saída.  

O ASSASSINO 

     Jonas ficou sabendo da prisão de Sergio. Sergio, o garçom, que Erika descrevia como "um sujeito meio burro, mas com um pau grande e gostoso. E cheio de fogo". 
     Sergio era o primeiro encontro que Erika tinha marcado para aquela noite na fábrica. "Para abrir o apetite" comentou rindo. O primeiro, mas não o único. "Já meti com dois ao mesmo tempo. Foi bom. Mas sabe o que me excita de verdade? Transar com dois homens diferentes na mesma noite sem que um saiba do outro. Os dois achando que são os únicos a se dar bem comigo. Isso me dá uma sensação de poder, de domínio da situação. Só de pensar já fico excitada". 
     Jonas achava que Erika não teria coragem de realizar aquela fantasia. Mas ela teve. "Achei o cara ideal para a segunda foda", disse ela. Jonas achava graça na forma como ela falava com ele. Tão diferente da linguagem recatada, pudica, que usava na presença do marido! Duas personalidades no mesmo corpo. E que corpo! Até ele, gay enrustido, sentia-se fascinado pela beleza da amiga. Acreditava que se existisse uma estupidez como a tal "cura gay", o remédio seria Erika. Quadris largos, bunda perfeita, coxas grossas, seios redondos, cintura fina, boca e olhos convidativos. Uma musa. 
     Agora ela está morta. Sergio está preso. E o assassino está solto. O homem que matou Erika deve se sentir muito seguro. Acredita que seu segredo morreu com a vítima. Não pode imaginar que, naquela noite, logo depois de transar com Sergio, Erika ligou para ele e confirmou: "Espera, estou ouvindo um carro no cascalho do lado de fora. Deve ser ele." Um homem inteligente e precavido. Ele deve ter dado um sumiço no celular de Erika, que a polícia nunca encontrou. E como já tinham o DNA de Sergio na cena do crime, nem se preocuparam em rastrear ligações da vítima quebrando o sigilo telefônico. Preferiram dar o caso por encerrado, para alívido do culpado. O amante novo. Um cara que ela tinha conhecido numa das festas em que foi sem o marido. O que a deixou louca foi que ele não quis transar com ela, apesar dela deixar claro que queria. Erika tinha certeza que o sujeito gostava de mulher, ele saiu acompanhado de uma moça loira, muito bonita... então como resistiu a ela? Isso a feriu onde mais dói: na autoestima. Ficou obcecada. Descobriu onde o sujeito trabalhava. Tentou conseguir o telefone. Ele se recusava a oferecer. Ela insistiu, frequentando o bairro onde o homem trabalhava, cercando sua rotina... descobriu que ele era casado com a tal loira da festa, o que aumentou sua vontade de meter com ele. Mas o escolhido parecia inacessível. "Eu vou ter esse cara, Jo. De um jeito ou de outro", disse. Um dia o homem achou que a melhor forma de se livrar de Erika era fazer o que ela queria. Foram a um motel. Isso piorou a obsessão dela. "Todos os outros são aprendizes, Jo. Esse cara é fora do normal. Nunca gozei tanto". Ela não conseguia se afastar. Jonas ficou  preocupado com aquela situação, mas ela garantia que era questão de tempo os dois se entenderem. Até que ela contou a ele do plano de realizar a sua grande fantasia na fábrica abandonada. Ficou muitas semanas tentando convencer o segundo amante a fazer o que ela queria. Sem mais recursos, ameaçou contar para a esposa dele que tinham transado. "Ele ficou muito bravo, Jo. Você nem imagina. Mas acabou concordando com um encontro na fábrica. No fundo, no fundo, ele quer também", acreditava. 
     Contra todas as expectativas de Erika para aquela noite desgraçada, sua obsessão acabou em morte. E agora uma injustiça está em andamento. Sávio não acreditou quando a polícia disse que Erika não tinha sido violentada. "Esses peritos podem dizer o que quiserem! Não são infalíveis, eu conhecia minha esposa!", disse ele a Rubens quando foi informado do resultado da autópsia. Pobre coitado, iludido. Jonas tem pena dele. Também não quer acabar com a memória de Erika denunciando o que aconteceu de verdade. Certamente, o assassino a matou assim que chegou à fábrica, para não deixar nenhuma evidência da presença dele ali. Ele está livre. A menos que Jonas tome uma atitude. Sabe o nome e o endereço do criminoso. Mas a própria situação também ficaria complicada. Por que escondeu durante tanto tempo a identidade do assassino? Certamente a justiça não seria muito tolerante com ele. 
     Jonas caminhou até o calçadão que margeia o rio, nos arredores da fábrica abandonada. O lugar, àquela hora da tarde, estava cheio de gente correndo ou fazendo caminhada. O sol está bonito no horizonte, tingindo nuvens de vermelho enquanto morre atrás das montanhas. Jonas pensa em Erika. De certa forma ele a amava. De um jeito especial, que nada tinha a ver com atração física. Talvez ele fosse o único que a amava de verdade. Sem querer nada em troca. 
     Jonas caminhou muito pensando no que fazer. Quando deu por si, estava na frente da delegacia que investigou o assassinato da amiga. Subiu os poucos degraus da entrada. Abriu a porta. Foi até o balcão de atendimento. O policial levantou os olhos das anotações que fazia e o encarou.
     - Eu tenho informações importantes sobre um crime não solucionado. 
     Ouviu os carros acelerando do lado de fora, uma sirene ao longe, conversas atrás de si, no hall da delegacia. De repente, tudo aquilo pareceu estranhamente novo. E assustador. 



     Sávio desligou a TV depois do noticiário da noite. Viu a reportagem completa sobre a reviravolta no caso do assassinato de Erika. O primeiro suspeito, dado como certo pela polícia, acabou solto. Um garçom que Sávio conhecia de um restaurante que frequentava às vezes com a mulher... como naquele dia em que os dois ficaram flertando descaradamente na frente dele. Sávio preferiu fingir que ignorava o que estava acontecendo. Levantou-se para ir ao banheiro e ficou à distância, atrás do bar, observando o comportamento da esposa. Viu quando ela anotou alguma coisa no guardanapo e passou para o garçom. Notou, mesmo de longe como estava, o rubor na face dela. Ficava ainda mais bonita quando estava excitada. 
     Aquele garçom tinha transado com Erika na noite do crime. Mas novas informações comprovaram que ele não tinha matado a amante. Outro homem foi até o local pouco tempo depois. Seria ele o assassino. Mesmo não tendo deixado sinais de DNA na fábrica nem no corpo da vítima, um depoimento surpreendente levou à prisão do novo suspeito. Jonas, o melhor amigo de Erika, contou à polícia que tinha conversado com Erika sobre o que estava prestes a acontecer naquela noite. Ela transaria com o segundo amante. Jeferson Ruiz, comerciante, casado. Um homem que tinha sido convidado pela vítima para fazer sexo no velho prédio abandonado e resolveu atender ao chamado, não para transar, mas para matar a esposa de Sávio. Jeferson queria manter o caso dos dois em segredo e por isso matou Erika. Foi o que a polícia deduziu do depoimento de Jonas e da transcrição da conversa telefônica que os dois mantiveram naquela noite. 
     Sávio se levantou e foi até o cofre da casa. Digitou a senha, abriu a porta blindada e retirou um celular. 
     O celular de Erika. 
     Voltou ao sofá. Digitou a senha da esposa, que tinha descoberto com pouco esforço: "Lolita", o nome de seu livro favorito. Olhou de novo as mensagens de whatsapp e as fotos. Mensagens trocadas com vários homens, falando de sexo, marcando encontros, descrevendo atos libidinosos. Fotos de diversos pênis eretos. Também havia algumas fotos de Erika, nua, se oferecendo aos amantes. 
     Ela nem desconfiava que Sávio sabia de tudo há muitos meses. Ele se fez de bobo para ver até onde iria a hipocrisia da esposa. Acompanhou de longe as aventuras dela, sofreu cada golpe como um tapa na cara. Aguentou firme, esperou para ver o que aconteceria - talvez esperando um milagre? Um arrependimento, um pedido de perdão? Ele certamente esqueceria tudo. Amava Erika mais que o ar que respirava.. 
     Naquela noite fatídica, Sávio resolveu seguir a esposa. Manteve-se escondido enquanto ela entrava na fábrica e esperava o amante. Não demorou muito e o garçom chegou. Sávio entrou no prédio silenciosamente e, da porta da sala, viu tudo que eles fizeram. Antes que terminassem, voltou para o esconderijo no terreno externo da fábrica. Depois que o garçom foi embora, ele esperou um pouco para que a esposa também saísse, mas isso não aconteceu. Foi quando se surpreendeu com a chegada de outro carro. Um homem desconhecido desceu e entrou na fábrica. Sávio não podia acreditar naquilo. Outro amante? Na mesma noite? Sentiu o rancor se transformar em ódio. Resolveu entrar novamente na fábrica e ouviu o que falavam. 
     - Vem logo, me fode com vontade! - era a voz de Erika.
     - Não vai acontecer - disse Jeferson - Eu vim aqui para deixar bem claro que não vamos mais nos encontrar. E pedir para você parar de me perseguir. Acabou. Ou melhor, nem começamos coisa alguma. E sobre a ameaça de contar tudo à minha esposa, você tem mais a perder do que eu. Como acha que seu marido reagiria diante de um escândalo desses? Agora eu vou embora e espero não ver você nunca mais. 
     Sávio desceu rapidamente as escadas, ouvindo os gritos da mulher que xingava Jeferson de covarde, brocha, viado. Voltou a se esconder e esperou Jeferson se afastar de carro. O sangue subiu a seus olhos, viu tudo vermelho à sua frente. Como ela foi capaz daquilo? Como teve coragem de pagar seu amor com tamanha traição? Não havia limite para a luxúria da esposa, agora ele percebia. Subiu as escadas sem se dar conta do que fazia. Tirou um par de luvas do bolso da jaqueta - por que tinha levado aquilo? Será que já esperava usá-las no que estava prestes a fazer? 
     Quando chegou à soleira da porta, viu a bela mulher ainda deitada, nua, olhando para o celular. Talvez estivesse procurando algum outro amante para aquela noite. Ele caminhou em direção a ela. Jamais esqueceria a surpresa e o horror estampados no rosto da esposa.
     - Sávio! Meu Deus, o que... você... como... Meu Deus!
     - Calma Erika. Está tudo bem. Eu perdoo você.
     Ao dizer isso, agarrou-a pelo pescoço e começou a apertar. Erika se debateu, resistiu, lutou, mas acabou perdendo lentamente as forças. Seus olhos lindos, amarelo-verdes, ficaram embaçados. A boca soltou um estertor e ela parou de resistir.

     Ele poderia viver 100 anos: nunca esqueceria a expressão de Erika quando a vida deixou seu corpo. Foi o único momento em que ela foi realmente sua. Sávio desligou o celular da esposa e o devolveu ao cofre. Foi até o bar da sala de estar e se serviu um uísque. Ficou olhando pela ampla janela para a noite fria lá fora, com o céu pontuado de estrelas invernais. Constatou que matar era mais fácil do que jamais poderia imaginar. No fim das contas, ele tinha razão: destruir era muito mais fácil do que construir. 


FIM
     









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